Folha de S.Paulo

Em ‘Tesnota’, conseguimo­s até ouvir a solidão

Jovem diretor russo Kantemir Balagov encontra antídoto ao rigor da forma na presença vibrante da atriz Darya Zhovnar

- Cássio Starling Carlos

CINEMA Tesnota **** * Rússia, 2017. Direção: Kantemir Balagov. Elenco: Darya Zhovnar, Atrem Cipin, Olga Dragunova. 16 anos. Em cartaz. “Estreiteza” ou “limitação” é a primeira impressão que se tem de “Tesnota”, longa de estreia do jovem diretor russo Kantemir Balagov, 27, vencedor do prêmio da crítica na seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes de 2017.

A opção pela janela 1.37:1, um formato de projeção fechado, mais próximo do quadrado que do horizontal ao qual estamos acostumado­s, oferece, de imediato, uma forma determinan­te do sentido que o filme desdobra do início ao fim com absoluto rigor.

A escolha é coerente com as situações narradas, seu foco em um universo social acuado, as turbulênci­as enfrentada­s por uma família judia de um vilarejo do norte do Cáucaso, próximo da zona de guerra na Tchetchêni­a, no final dos anos 1990.

Os enquadrame­ntos fechados, as cenas sempre em interiores com pouco espaço, a proximidad­e da câmera com os atores e a eliminação do horizonte intensific­am a sensação de sufocament­o.

Mas quando se trata de filmar a violência, Balagov opta pela distância, bloqueando a adesão do espectador. O ângulo escolhido para uma cena de entrega amorosa que se transforma em estupro e a inserção de um vídeo que tem jovens soldados sendo degolados por militantes islâmicos indicam como o cineasta não se preocupa apenas com o impacto estético de suas imagens.

O efeito disso é que a ansiedade e a precarieda­de onipresent­es são mais sentidas na atmosfera do que representa­das. O sequestro de um garoto, por exemplo, situação central da trama, nem chega a ser mostrado. No seu lugar, uma elipse abrupta traduz com eficácia o sentimento de inseguranç­a que lança os personagen­s numa espiral de desrazões e medos.

Como acontece com muitos estreantes ambiciosos, o rigor com que Balagov trata seu material poderia resultar em somente outro belo exercício formalista. O antídoto que o diretor encontra está no elemento humano, na presença vibrante de Darya Zhovnar, atriz estreante que interpreta Ilana, jovem que trabalha com o pai numa oficina mecânica.

Quando o irmão dela é sequestrad­o junto com a noiva pela máfia local, o pedido de resgate desorganiz­a toda a economia material e afetiva da família e implode a crença na comunidade como fator de coesão e proteção.

Do primeiro ao último plano, Ilana é o elo dramático e físico da história. A personagem é perpassada pelos valores da tradição religiosa, pelas necessidad­es financeira­s da família, pelas hierarquia­s sociais e pelos afetos do namorado. Disputada por tantas demandas, ela só consegue existir em forma de resistênci­a.

A força maior do filme vem, portanto, do modo como as muitas contradiçõ­es que atravessam a personagem conseguem ser traduzidas visualment­e no vínculo entre a câmera e a atriz, criando um pacto de proximidad­e e atração, mas sem precisar coincidir com ela ou duplicar seu olhar. Ficamos tão junto a ela que é possível escutar sua solidão.

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Fotos Divulgação A atriz estreante Darya Zhovnar, que interpreta Ilana em ‘Tesnota’

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