Folha de S.Paulo

Novo show de ator de ‘Borat’ abusa de credulidad­e e expõe ignorância geral

- Luciana Coelho coelho.l@uol.com.br ‘Who Is America?’, da Showtime, pode ser visto em clipes em www.sho.com

Há momentos reveladore­s em “Who Is America?”, minissérie satírica do humorista britânico Sacha Baron Cohen (o Borat). Embora se pretenda revelar ali os EUA de Donald Trump, o que temos exposto é um retrato perene e universal da ignorância humana.

Não que não surjam idiossincr­asias norte-americanas —seja de progressis­tas ou de eleitores do republican­o. Afinal, está ali a tara por armas e o racismo com mexicanos e muçulmanos, tema recorrente de Cohen (um judeu, aliás).

Mas o desfile de preconceit­os, egocentris­mo e prepotênci­a diz mais do momento em que vivemos, no qual todos se julgam detentores de alguma verdade absoluta e não se intimidam em bradá-la por aí.

Romper superegos alheios (a instância da psique que nos barra de fazer coisas que achamos não serem bem aceitas) é o maior truque de Cohen, que usa seus personagen­s inconvenie­ntes para provocar de anônimos ao ex-vice-presidente Dick Cheney (2001-09).

Essa tarefa, que o humorista já empreender­a nos anos Bush (2001-09) com Borat e com o rapper Ali G, fica simples nos EUA de Trump, onde direita e esquerda se sentem no direito de destilar preconceit­o sob o lastro de opinião. Algo, aliás, que não difere do Brasil em campanha presidenci­al.

É assim que, na pele do especialis­ta antiterror­ismo Erran Morad, o melhor dos personagen­s apresentad­os, que ele leva políticos e lobistas a atuar em um vídeo para uma campanha de armamento de crianças a partir dos 4 anos.

Para tanto, Morad apenas adula osent revistados, já engajados nacampanha­p ró-armas, e relata um falso programa similar de Israel para lustrara proposta depseud oc redibi lida de.Éo suficiente­s e tudo se ecoa e nada se checa.

Logo temos um vídeo infantil em que armas são mimetizada­s a bichos de pelúcia e promete-se que crianças bem treinadas poderão barrar “homens maus” que entrem atirando em sua escola, cena algo recorrente nos EUA.

Para provocar esquerdist­as, Cohen prefere se travestir de blogueiro conservado­r e importuná-los com supostas verdades ditas por Trump, até que irrompam em impropério­s elitistas. Embora seu alvo preferenci­al sejam os conservado­res, o humorista dá conta de sua promessa de ridiculari­zar todo um país dividido.

Insiste também no desnudamen­to da ignorância, como no esquete no qual uma subcelebri­dade que esteve em Serra Leoa visitando vítimas do ebola pede doações para armar crianças-soldado (algo que Ali G e Borat, o repórter do misterioso Cazaquistã­o, já haviam feito antes, mas que não deixa de incomodar).

Os programas são curtos (sete episódios de cerca de 27 minutos), mas excruciant­es. Dos já exibidos, o mais dolorido é o que trata da construção de uma mesquita em uma cidadezinh­a do Arizona.

É difícil acreditar que os entrevista­dos desconhece­ssem a real intenção do humorista, embora ele insista que sim. Se aceitarmos o jogo, mais do que humor ou ativismo, vale o espelho que Cohen aponta para o pior em todos nós.

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Showtime via Associated Press O ex-vice-presidente Dick Cheney com Erran Morad (Sacha Baron Cohen) em ‘Who Is America?’

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