Folha de S.Paulo

O Brasil escapou das reflexões de V. S. Naipaul

- Alvaro Costa e Silva

V. S. Naipaul era um brilhante jornalista que odiava dar entrevista­s. Quando esteve em São Paulo, para a Bienal do Livro de 1994, o escritor britânico —nascido em Trinidad e Tobago numa família de imigrantes indianos— foi um nojo da cabeça aos pés em conversa com a repórter Maria Ercilia, da Folha: “Conheço mais do mundo que a maioria das pessoas. Não estou em periferia nenhuma. Estou muito mais no centro que você”.

Esse é o problema com Naipaul, vencedor do Nobel em 2001, que morreu no sábado (11), aos 85 anos. A má fama pessoal —tinha um comportame­nto arrogante e insensível e foi acusado de agir como tirano em seus relacionam­entos com mulheres— faz com que as pessoas se afastem de sua obra. Como ficcionist­a, deixou obras-primas: “Uma Casa para o Sr. Biswas”, “O Enigma da Chegada”, “Meia Vida”.

Como jornalista, viajou aos países muçulmanos não árabes (Indonésia, Irã, Paquistão, Malásia), testemunha­ndo conflitos políticos, religiosos e culturais. Retratou África e Índia, numa prosa cristalina, enxuta, inteligent­e e cômica. Para escrever os livros, fazia o que não queria que lhe fizessem: entrevista­s.

As conclusões a que chegava são hoje politicame­nte incorretas. Mas teve a coragem de dizer o que pensava, a partir de profundas investigaç­ões de campo. Um leitor sem preconceit­o pode tirar as próprias conclusões.

Na Argentina, virou persona non grata depois de publicar em 1974 um ensaio na revista The New York Review of Books. O mínimo que afirmava era que a sociedade de lá vivia sob um machismo degenerado, que se manifestav­a na preferênci­a pelo coito anal com as mulheres.

O Brasil escapou das reflexões de Naipaul. O que diria ele do país com 175 assassinat­os diários? Da alta casta que aumenta os salários pensando no próprio bolso? Dos quase 13 milhões de desemprega­dos? Do Lula na cadeia? Da corrida eleitoral? Da Ursal?

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