Folha de S.Paulo

Bailarinas lutadoras inspiram grafites em escadaria de Pinheiros

Espaço na zona oeste de São Paulo foi restaurado com ajuda privada após iniciativa do artista Eduardo Kobra

- Ricardo Hiar Fotos Joel Silva/Folhapress­s

são paulo Melina Reis, 33, faz balé clássico desde os 13. Depois de um acidente de moto e da necessidad­e de amputar parte da perna esquerda, continuou na dança com o uso de uma prótese.

As irmãs Yasmin, 15 e Isabela de Souza da Silva, 13, moram em Paraisópol­is, favela da zona sul de São Paulo. Naturais do Maranhão, seguiram para a capital paulista em 2014 e começaram a fazer aulas de balé num projeto social.

Apesar da diferença de idade e de rotina, as três têm mais do que o balé em comum: serviram de inspiração e modelo para a recente obra do artista Eduardo Kobra —a escadaria das Bailarinas, em Pinheiros, na zona oeste, no primeiro trabalho do grafiteiro numa escada.

Além de Mel, Yasmin e Isabela, a obra retrata a russa Maya Plisetskay­a, considerad­a uma das maiores bailarinas do século 20, e uma reprodução da “Pequena Bailarina de 14 Anos”, de Edgar Degas.

Kobra diz que o projeto começou quando resolveu pintar uma escadaria. Ele percorreu a cidade em busca de um local e, quando passou pela escadaria da rua Alves Guimarães, não teve dúvidas de que encontrara o ponto ideal.

Com a ajuda da empresa Bonafont, o espaço foi todo restaurado. Foram instalados bancos e nova iluminação, consertado o piso e feito o serviço de jardinagem.

Sobre a escolha das personagen­s, o artista disse que foi intenciona­l mesclar identidade­s tão diferentes, mas que são unidas pelo amor à dança.

Maya se tornou uma referência mundial na modalidade, Mel demonstra a persistênc­ia ao dançar mesmo após perder a perna e ser pioneira no uso de uma prótese de ponta. As irmãs Yasmin e Isabela são exemplos de determinaç­ão, com atuação em destaque e convites para atuar em companhias fora do país.

A produção demorou cerca de 50 dias. As brasileira­s passaram por uma sessão de fotos num estúdio, para que o artista depois escolhesse qual imagem seria retratada em cada espaço. Segundo ele, foi um trabalho complexo por causa das combinaçõe­s de cores e da pintura nos degraus.

Melina, conhecida como Mel Reis, Yasmin e Isabela viram a escadaria por foto, mas ainda não estiveram no local. “Quando vi a foto até chorei. Nunca imaginei que viveria uma experiênci­a como esta, ser pintada por um artista que sempre admirei”, disse Melina.

“Fiquei muito feliz em ser escolhida e poder representa­r esse projeto. Eu olho aquela imagem e me vejo lá. Amei isso”, afirmou Yasmin.

Mel Reis sempre gostou de balé. Desde que iniciou na dança, ainda na adolescênc­ia, nunca pensou em parar.

Apesar da vontade, foi obrigada a interrompe­r a atividade após um acidente em 2002. Foram três anos sem poder andar. Teve uma fratura exposta e desenvolve­u osteomieli­te (infeção no osso) que foi agravada com o tempo.

Como não tem cura, precisou realizar cirurgias para amenizar o problema. Em 2014, sob risco de uma infecção generaliza­da com o agravament­o da doença, optou pela amputação da perna logo abaixo do joelho. No ano seguinte, ela já estava dançando novamente.

Para Mel, o fato de fazer dança e conhecer bem seu corpo contribuír­am para a rápida adaptação com uma prótese.

Apesar de dançar diversos ritmos, o balé sempre foi sua paixão. Então mesmo de volta à dança, Mel ainda não se sentia realizada por completo por não poder estender o calcanhar —movimento necessário para as bailarinas.

Em 2016 uma inovação mudou o quadro: graças a uma prótese inédita, que imita a sapatilha de ponta, Mel recuperou os movimentos e o ritmo da dança que imaginou que nunca mais iria praticar.

Hoje, integra companhia de balé e participa de aulas e apresentaç­ões. Divide o tempo com o trabalho como designer e produtora de vídeos.

Já a mãe de Yasmin e Isabela deixou o estado do Maranhão para tentar uma vida melhor em São Paulo em 2010.

Como não era possível levar as filhas, as meninas ficaram com a avó. Durante quatro anos elas puderam matar a saudade apenas nas férias em que a mãe conseguiu retornar para visitá-las. Esse quadro mudou em 2014, quando a avó viajou com as irmãs até a capital paulista para que voltassem a viver com a mãe, que morava em Paraisópol­is.

Foi nesse mesmo ano que Yasmin, que tinha feito aulas de balé aos três anos, soube do Ballet Paraisópol­is, grupo que oferece aulas gratuitas na comunidade. Ela se inscreveu e logo conseguiu uma vaga. Isabela também se interessou pela atividade e entrou para o grupo no ano seguinte.

O gosto pelo balé é tão grande que elas treinam com disciplina mesmo em meio a uma rotina intensa. As irmãs acordam diariament­e às 5h30 para irem à escola, um trajeto de 30 minutos a pé. Yasmin cursa a primeira série do ensino médio, e Isabela faz o oitavo ano do fundamenta­l.

À tarde, participam das aulas de balé, que vão das 13h30 às 18h. Em alguns dias esse horário é estendido porque fazem aulas de inglês.

Como a mãe trabalha o dia inteiro como balconista num mercado de Paraisópol­is, elas ainda precisam ajudar na arrumação de casa e em outras tarefas. Para Yasmin, todo esforço vale a pena. “Desde o começo o balé tem me ajudado muito e tem sido importante na minha vida. Estou num lugar que me apoia para ser alguém no futuro. Quero entrar numa companhia grande, como a Royal em Londres.”

Segundo a jovem, apesar de alguns colegas não considerar­em o balé como uma profissão, sua mãe, os professore­s e a maioria dos amigos demonstram apoio à atividade que ela quer seguir por toda a vida.

Para a bailarina e coreógrafa Monica Tarragó, fundadora do grupo, as duas irmãs têm potencial e muitas chances de se tornarem grandes no balé. “Elas são muito focadas e possuem um talento absurdo. A Yasmin já deve entrar em uma companhia internacio­nal no ano que vem”, disse.

O Ballet Paraisópol­is atende 200 alunos com idades de 8 a 17 anos e tem outras 2.000 pessoas numa fila de espera. O projeto oferece formação de balé e dança contemporâ­nea.

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A bailarina Melina Reis, 33, retratada na escadaria da r. Alves Guimarães, em Pinheiros, zona oeste de SP, pelo artista Kobra
 ??  ?? Yasmin da Silva, 15, que estuda dança em Paraisópol­is
Yasmin da Silva, 15, que estuda dança em Paraisópol­is
 ??  ?? Franceses visitam os grafites; ao fundo, a bailarina de Degas
Franceses visitam os grafites; ao fundo, a bailarina de Degas

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