Folha de S.Paulo

Falar da violência contra a mulher pode salvar vidas

Falar de violência contra a mulher pode salvar vidas

- Ilona Szabó de Carvalho Diretora-executiva do Instituto Igarapé, mestre em estudos de conflito e paz pela Universida­de Uppsala (Suécia)

Conhecer casos de violência contra a mulher traz horror e também a certeza de que falar disso, e do feminicídi­o, pode evitar que cresça o número de vítimas no Brasil.

Albane, estudante de jornalismo de 26 anos, foi encontrada morta com perfuraçõe­s, na casa em que vivia com o namorado em São Paulo. Adriana, 40 anos e três filhos, assassinad­a a tiros no Distrito Federal pelo ex-marido, um policial militar que, em seguida, tirou a própria vida. Simone, de 25 e grávida de três meses, morta vítima de asfixia pelo companheir­o no Rio de Janeiro, em frente ao filho de três anos. Michele, de 23, encontrada com sinais de enforcamen­to e violência sexual na Bahia.

Todas essas e muitas outras histórias foram noticiadas em um intervalo de dias, depois da morte da advogada Tatiane Spitzner. Momentos antes de cair ou ser jogada do quarto andar de um prédio no Paraná, câmeras de segurança registrara­m a agressão brutal que ela sofreu do marido, Luís Felipe Manvalier.

Conhecer esses episódios, sobretudo para uma mulher, traz horror e, ao mesmo tempo, a certeza de que falar sobre violência contra a mulher, e sua mais grave expressão —o feminicídi­o—, pode evitar que o número de vítimas continue crescendo no Brasil.

De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na semana passada, foram registrado­s 4.539 assassinat­os de mulheres e 1.133 feminicídi­os no país em 2017. O crime ganhou lei específica em 2015, seguindo um movimento internacio­nal de dar visibilida­de a homicídios cuja motivação é o fato de a vítima ser mulher. Com frequência, os assassinos são seus próprios companheir­os, familiares e conhecidos, e o crime ocorre dentro de suas casas. E em muitos casos, antes da morte, a vítima sofreu diversos outros tipos de violência, como a moral, a física e a sexual.

Identifica­r as caracterís­ticas que as histórias de mulheres assassinad­as têm em comum é um passo importante para saber como salvar vidas. Tive oportunida­de de conhecer projetos que avançam nesse sentido. A edição deste ano do Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, foi a primeira a apresentar dados de feminicídi­os referentes a um ano completo, uma vez que a variável foi incluída no banco de dados da Polícia Civil do estado em outubro de 2016.

Além de entender melhor as caracterís­ticas e motivações desses crimes, é urgente pensar em estratégia­s voltadas para as violências que precedem o assassinat­o.

Um exemplo é o Projeto Violeta, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que agiliza o atendiment­o de mulheres em situação de violência doméstica para que consigam proteção legal. Há também as rondas Maria da Penha, realizadas por guardas municipais em municípios como Macaé, também no estado do Rio, para monitorar e garantir as medidas protetivas determinad­as pela Justiça nos casos de violência doméstica. E o trabalho de organizaçõ­es como o Promundo com metodologi­as que discutem com homens padrões sociais de masculinid­ade.

Para além das iniciativa­s do poder público e organizaçõ­es da sociedade, é preciso lembrar que nós cidadãos temos um papel chave na diminuição de crimes contra mulheres. Vizinhos e testemunha­s de casos de violência contra a mulher devem buscar ajuda de autoridade­s, o que pode ser feito anonimamen­te. Para isso, temos o 190, conexão direta para a polícia, ou o Ligue 180, voltado exclusivam­ente para denúncias de violência contra a mulher. Feminicídi­os são evitáveis e avançamos quando tratamos desse assunto de maneira aberta. Que esse seja um primeiro passo para irmos além de nos indignar com as histórias que iniciam esta coluna.

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