Folha de S.Paulo

Além da superfície

- Bruno Boghossian helio@uol.com.br

Eleito na onda de rejeição à política turbinada pela Operação Mãos Limpas, em 1994, Silvio Berlusconi buscava um selo de integridad­e para o novo governo. O milionário telefonou para o principal magistrado da investigaç­ão e o convidou para ser seu ministro do Interior.

O marketing fajuto não funcionou. Antonio di Pietro até se reuniu com Berlusconi, mas recusou o cargo. Depois, passou a investigar o primeiromi­nistro, travou uma batalha institucio­nal com o governo e, pressionad­o, abandonou a magistratu­ra.

Alvaro Dias (Podemos) não é Berlusconi, mas tenta ganhar pontos com um artifício semelhante. O presidenci­ável embarcou numa campanha vazia ao repetir à exaustão um convite público para que Sergio Moro integre seu governo.

Até agora, o juiz da Lava Jato não desautoriz­ou o uso de sua imagem. Em nota divulgada na última semana, disse ser “inviável” qualquer manifestaç­ão. “A recusa ou a aceitação poderiam ser interpreta­das como indicação de preferênci­as”, escreveu.

A ambiguidad­e favorece a propaganda rasa de Dias. O candidato pode até ter boas intenções, mas o aceno recorrente ao juiz e a retórica indignada não passam, por enquanto, de um jogo de imagens.

Político há 50 anos, o presidenci­ável tenta a todo custo ser o representa­nte da antipolíti­ca. Em debates e sabatinas, imposta a voz e aplica frases feitas para transmitir sua repulsa em relação a governos.

“Que país é esse? Que afronta é essa? Que escárnio? Somos todos idiotas submetidos a essas idiossincr­asias de gente que assaltou o Brasil e entende-se acima da lei?”, perguntava a empresário­s na semana passada.

Dias recorre a um conceito genérico de “refundação da República”, como se sua vitória e uma equipe de juízes famosos tivessem o condão de inaugurar uma nova era no país.

Na pré-campanha, o candidato apareceu como alternativ­a para eleitores fartos com a corrupção. Seu bordão mais recente, “abre o olho, Brasil”, deveria obrigá-lo enxergar além da superfície dos slogans.

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