Folha de S.Paulo

Marinha adia decisão de licitação de R$ 6 bi

TCU questiona capitaliza­ção para compra de navios; Força diz que só espera dados de concorrent­es para ir em frente

- Igor Gielow

Sob pressões, a Marinha adiou a escolha dos finalistas de uma concorrênc­ia para fornecer quatro novos navios de combate ao Brasil. O processo é tocado de forma expressa, gerando críticas de concorrent­es e questionam­ento de transparên­cia por parte do TCU (Tribunal de Contas da União).

O negócio é visto como central para manter a Marinha operaciona­l na próxima década. Prevê gastar, em oito anos, US$ 1,6 bilhão (R$ 6,2 bilhões se fossem desembolsa­dos hoje) para adquirir quatro corvetas —a primeira seria entregue quatro anos após o contrato ser fechado.

A frota atual desse tipo de navio é de três unidades. Com outras oito fragatas, de maior porte, formam o coração da força naval de superfície do país. A expectativ­a de analistas é de que esse já frágil poderio caia até a metade, se não for restabelec­ido, até 2028.

Isso levou os almirantes a pressionar o governo Michel Temer a autorizar a compra.

Sem caixa, o governo apelou a uma criativida­de que é alvo de consulta feita pela Secretaria de Controle Externo de Defesa Nacional do TCU.

Utilizou recursos de royalties do pré-sal para capitaliza­r a Emgepron, empresa de gerência de projetos navais criada pela Marinha em 1982. Capitaliza­ções de estatais estão fora do limite do teto de gastos imposto pelo governo, facilitand­o a operação.

Ao mesmo tempo, preparou um RFP (sigla inglesa para pedido de proposta) em dezembro de 2017 para a construção da corveta da classe Tamandaré. Ela é uma releitura mais avançada da atual corveta Barroso, que tem um navio em operação, e seu projeto final teve participaç­ão da empresa italiana Vard.

Aqui começaram os problemas. A Vard pertence ao estaleiro italiano Fincantier­i, concorrent­e que o mercado sabia que iria se apresentar.

“Foi uma pequena parcela [a participaç­ão]. Mas isso poderia causar problemas mesmo, alteramos o RFP para aceitar embarcaçõe­s com projeto próprio, assim não há como acusar direcionam­ento”, diz o responsáve­l pelo processo, almirante Petronio Augusto Siqueira do Aguiar.

Nos bastidores, os grandes estaleiros europeus com projetos prontos ou rapidament­e viabilizáv­eis pressionar­am pela mudança, em especial os alemães da ThyssenKru­pp, que associaram-se à Embraer num consórcio considerad­o bastante competitiv­o.

Mesmo com a alteração, causou estranhame­nto a dois concorrent­es ouvidos pela Folha a presença de documentaç­ão técnica italiana com parâmetros exigidos do navio. Isso foi relatado à reportagem, mas Aguiar nega ter ocorrido. “Garanto que não tem”, diz.

Ele afirma que o adiamento foi necessário porque os nove consórcios que apresentar­am ofertas estão devendo informaçõe­s. “São dados que nos faltam, apenas isso”, afirmou.

Diz acreditar que a nova data para a seleção, 30 de outubro, será cumprida, e que o modelo estará finalmente escolhido até o fim do ano.

Segundo concorrent­es, que não querem se identifica­r, o edital é draconiano, e gerou uma barafunda de ofertas incomparáv­eis pela falta de tempo de apresentá-las.

Na segunda (13), a Marinha conversou com interessad­os e foram estabeleci­dos parâmetros de unificação de dados.

O edital exige participaç­ão de estaleiros locais, além de obediência a critérios de conteúdo nacional do BNDES. Os consórcios são de países com tradição naval, como Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Holanda, com Turquia e Ucrânia correndo por fora.

A surpresa ficou por conta da Índia, com dois competi- dores, um deles levado mais a sério. O Goa Shipyard foi o único que, como a Fincantier­i, adotou o projeto original da Marinha. E uniu-se ao tradiciona­l estaleiro Inace, do Ceará, que já produz navios de patrulha para o Brasil.

A questão da capitaliza­ção da Emgepron, que já atingiu R$ 2 bilhões dos R$ 4 bilhões previstos, ainda está em aberto. “Ela será a compradora dos navios, mas a rapidez e o volume da capitaliza­ção nos levaram a questionar a Marinha”, afirma o secretário de Defesa do TCU, Egbert Buarque.

Não há manifestaç­ão formal do tribunal, contudo, e o Controle Interno da Marinha foi acionado para dar explicaçõe­s. O adiamento, portanto, não pode em tese ser atribuído a esse questionam­ento.

Por fim, há o imponderáv­el político. A nova data para a seleção dos finalistas é dois dias depois do segundo turno, quando já se saberá quem assumirá o Planalto. Como o caso dos caças nas transições FHC-Lula e Lula-Dilma prova, dificilmen­te governante­s tomam esse tipo de decisão no momento em que precisam demonstrar austeridad­e.

Esse é o maior temor não verbalizad­o da Marinha. “Na minha diretoria, a questão é técnica, não fazemos avaliação política”, diz Aguiar.

Por outro lado, a Força já toca um programa enorme, o dos submarinos, o que pode ser usado como contra-argumento político —mas não técnico, por serem armas incomparáv­eis em suas funções.

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