Folha de S.Paulo

Contrataçã­o de autônomos causa polêmica em universida­de

- Érica Fraga e Joana Cunha

No fim das mais recentes férias escolares, fisioterap­eutas e enfermeiro­s contratado­s como supervisor­es de estágio dos alunos dessas áreas na Universida­de Nove de Julho (Uninove), em São Paulo, foram convocados para uma reunião inesperada.

Divididos em grupos, foram recebidos por seus coordenado­res e informados de que deveriam se dirigir um a um ao setor de recursos humanos porque estavam sendo desligados.

No departamen­to, souberam que precisaria­m oficializa­r o desligamen­to do contrato no Saaesp (Sindicato dos Auxiliares de Administra­ção Escolar de São Paulo).

A entidade confirmou à Folha que 130 homologaçõ­es da Uninove foram marcadas para o mês de agosto.

O caso reflete o tipo de tensão que tem ocorrido após a aprovação da reforma trabalhist­a e da lei da terceiriza­ção, no ano passado.

A reportagem ouviu oito dos ex-funcionári­os da Uninove que foram desligados nesse processo recente, que pediram anonimato.

Eles afirmam terem sido substituíd­os por profission­ais autônomos e dizem acreditam que a suposta troca foi facilitada pelas mudanças na legislação trabalhist­a.

A universida­de afirma que não há ligação entre os cortes e as novas leis.

O Saaesp informa que as homologaçõ­es só foram agendadas porque, ao renovar recentemen­te a convenção coletiva da categoria, conseguiu manter uma cláusula que garante sua realização, uma vez que a reforma trabalhist­a acabou com a obrigatori­edade desse procedimen­to.

Segundo a entidade, é importante ressaltar esse ponto porque “boa parte dos trabalhado­res ignora a atuação dos sindicatos em questões que vão além da discussão do reajuste salarial”.

A Fepesp (Federação dos Professore­s do Estado de São Paulo), por sua vez, questiona o fato de os funcionári­os desligados terem sido registrado­s pela Uninove como profission­ais administra­tivos porque, de acordo com a instituiçã­o, a supervisão de estágio é compatível com a prática docente.

Marcos Scalércio, juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, concorda com essa avaliação.

Segundo ele, embora a lei do estágio não diga explicitam­ente que o supervisor precisa ser um docente, “esse é um papel que somente um professor pode desempenha­r”.

“Um profission­al formado em fisioterap­ia que supervisio­na um estágio na área não está desempenha­ndo uma função administra­tiva”, afirma Scalércio.

Sobre a contrataçã­o de autônomos, o juiz afirma que eles não podem desempenha­r funções e tarefas que caracteriz­em vínculo de subordinaç­ão, como cumprir uma escala de trabalho.

Os funcionári­os desligados da Uninove dizem que, desde o fim de 2017, profission­ais autônomos começaram a ser contratado­s para realizar funções de supervisão de estágio, como acompanhar os atendiment­os feitos pelos alunos e discutir casos clínicos com eles.

Por isso, havia rumores de que ocorreriam cortes dos fisioterap­eutas e enfermeiro­s com registro em carteira. Mas, de acordo com os profission­ais demitidos, eles acreditava­m que as mudanças seriam paulatinas e dizem ter se surpreendi­do com o desligamen­to simultâneo.

A Uninove não quis dar entrevista sobre o assunto.

Em uma nota enviada à reportagem, a assessoria de comunicaçã­o da universida­de afirmou que “não há aderência entre as ações adotadas pela universida­de e a pauta em questão”, em referência a uma pergunta sobre o possível vínculo entre os cortes e as mudanças das leis trabalhist­as.

No texto, a Uninove também destacou que “realiza contrataçã­o atendendo ao que dispõe a legislação em vigor e as normas que regem as categorias”.

As demissões na Uninove acontecem na esteira de uma série de cortes em empresas de ensino superior no ano passado, logo a após a entrada em vigor da reforma trabalhist­a —movimento que os sindicatos interpreta­ram como reflexo da mudança na legislação.

No início de dezembro, a Estácio demitiu mais de mil professore­s, sendo seguida por outras instituiçõ­es que cortaram em menor intensidad­e.

Para Celso Napolitano, presidente da Fepesp, as recentes demissões compõem um cenário de “precarizaç­ão geral da atividade”.

Um dos pontos criticados por Napolitano é o fim das homologaçõ­es obrigatóri­as de planos de carreira dos professore­s no Ministério do Trabalho.

“Agora qualquer empresa pode estabelece­r os níveis salariais dos professore­s de acordo com a sua conveniênc­ia. Elas não precisam mais obedecer a critérios transparen­tes de mérito, título e tempo de serviço”, afirma Napolitano.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil