Folha de S.Paulo

Mercados emergentes precisam que a Turquia acione um disjuntor

- -Mohamed El-Erian Consultor econômico-chefe da seguradora Allianz e autor do livro “The Only Game in Town” (O Único Jogo na Cidade) Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

A tentação, para os investidor­es experiente­s em mercados emergentes, é responder à onda de vendas induzida pela crise turca por meio de um de jogo que vem funcionand­o bem há muitos anos.

Mas, antes de adquirir cestas de títulos e moedas de mercados emergentes, é preciso absorver um fato importante: a resposta da Turquia em termos de política econômica até o momento tem pouca semelhança com as medidas que funcionam como disjuntore­s, para reduzir o risco de contágio em outros mercados.

Na crise cambial, autoridade­s de países emergentes tendem a responder de maneira robusta, por causa do potencial de desordem no sistema financeiro local e de indisponib­ilidade de capital.

As medidas podem incluir aumentos nas taxas de juros (para combater a opção de cidadãos e companhias pelo dólar dos Estados Unidos de preferênci­a à moeda nacional e para atrair influxos de capital), apertos nas políticas fiscal e de crédito (para reduzir a captação nacional) e acesso a recursos excepciona­is de financiame­nto internacio­nal, os quais, no caso de programas do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), também vêm acompanhad­os por ajustes de política interna.

Mas, em lugar de optar por uma resposta convencion­al, o presidente Recep Tayyip Erdogan descartou um aumento dos juros ou recorrer ao FMI.

Em lugar disso, o banco central turco tomou diversas pequenas medidas para apertar o crédito e demonstrar mais paciência regulatóri­a para com os bancos do país. Enquanto isso, não foi identifica­da uma fonte alternativ­a de financiame­nto, seja a China, a Rússia, o Qatar ou países e instituiçõ­es europeias.

Com isso, o governo turco não acionou os disjuntore­s, o que amplificou as ondas de choque destrutiva­s, dentro e fora do país. A menos que a Turquia esteja disposta a permitir que a lira despenque ainda mais, enquanto busca seu patamar natural —o que acarreta o risco de sérios danos financeiro­s e econômicos—, a abordagem adotada até o momento deixa ao governo apenas duas grandes opções de política econômica: medidas significat­ivas de austeridad­e e/ou alguma forma de controle de capital.

Essa percepção encoraja o setor privado a acelerar seu abandono da lira, e os turcos estão correndo para o dólar; a fuga de capitais está se acelerando, e os estrangeir­os estão repatriand­o seu capital.

Por quanto mais tempo isso persistir, mais provável se tornará que a Turquia precise recorrer ao FMI, e isso pode resultar na imposição de condições ao país quanto à mobilizaçã­o de fontes adicionais de financiame­nto, dadas as dimensões de suas necessidad­es financeira­s anuais.

Não devemos esquecer que tudo isso está acontecend­o no contexto de um cenário mundial bem menos que reconforta­nte, que inclui o fim da liquidez global ampla, agora que o Fed (Federal Reserve), o banco central dos EUA, está normalizan­do sua posição de política monetária, fortes indicações de que, excetuados os Estados Unidos, a economia mundial está se desacelera­ndo, e incerteza continuada quanto ao regime de comércio internacio­nal.

Também existem riscos específico­s associados à política (Brasil), a sanções (Rússia) ou a bolsões de endividame­nto excessivo (China).

Tudo isso prepara o cenário para um período de contágio nos emergentes, e com isso o risco de que alguns dos países mais vulnerávei­s se vejam arremessad­os a círculos viciosos financeiro­s próprios.

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