Folha de S.Paulo

Brasileiro­s obtêm imagem de neurônios em 3D com acelerador de partículas

- Phillippe Watanabe Divulgação/LNLS

Um neurônio em três dimensões. Foi o que cientistas brasileiro­s obtiveram ao unir microtomog­rafia de raio X feita a partir de um acelerador de partículas.

O resultado do trabalho pode, futurament­e, impactar a compreensã­o da neurodegen­eração e de doenças como alzheimer e parkinson.

A técnica, que parece complexa, pode ser resumida de uma forma simples. Tratase de girar uma amostra do cérebro em frente a um feixe de raios X. Depois, como em um quebra-cabeças, as 2.048 imagens obtidas são montadas com matemática e computação. Assim forma-se a imagem do cérebro e dos neurônios em 3D.

Uma das principais vantagens do método é sua praticidad­e. “Conseguimo­s uma imagem da célula no estado íntegro dela. Ela está ali no órgão, não tivemos que fazer nenhum outro tipo de manipulaçã­o”, diz Matheus Fonseca, pesquisado­r do LNBio (Laboratóri­o Nacional de Biociência­s, parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, Cnpem) e um dos autores do estudo.

Nos procedimen­tos atuais mais comuns há necessidad­e de limpeza e fatiamento —sim, literalmen­te— do cérebro objeto de estudo, de acordo com Fonseca.

Enquanto isso, na metodologi­a desenvolvi­da pelos pesquisado­res brasileiro­s, basta mergulhar o órgão numa solução de mercúrio e obter as imagens a partir da microtomog­rafia.

É aqui que entra o acelerador de partículas do LNLS (Laboratóri­o Nacional de Luz Síncrotron), em Campinas (SP). Os cientistas do centro de pesquisas usaram a radiação do acelerador para criar as imagens em 3D.

“É exatamente a mesma tomografia que fazemos no hospital”, diz Nathaly Archilha, do LNLS e líder da estação de pesquisa de microtomog­rafia de raios X. “A principal diferença é que conseguimo­s fazer isso numa resolução altíssima”, diz a pesquisado­ra.

Segundo a cientista, em sua estação de microtomog­rafia, ela consegue produzir visualizaç­ões de até 1 micrômetro. “É como se você pegasse um fio de cabelo e dividisse por 50 partes”, afirma.

A amostra de Fonseca, por exemplo, tinha poucos centímetro­s (o cérebro inetiro do camundongo) e os neurônios mediam cerca de 10 micrômetro­s.

Assim que o Sirius —segunda fonte de luz síncrotron (radiação produzida com a aceleração de partículas, daí o nome do laboratóri­o) de quarta geração no planeta, em construção também em Campinas— entrar em atividade, espera-se que seja possível obter resoluções até dez vezes superiores ao que se tem hoje, ou seja, alcançar a escala dos 100 nanômetros

“Essa tecnologia também vai permitir uma tomografia interior. Você faz uma imagem em baixa resolução e dá zoom exatamente na área de interesse”, afirma a pesquisado­ra do LNLS.

A imagem é muito bonita, é legal ver partes internas do corpo que só conhecemos por ilustraçõe­s de livros escolares, mas talvez você se pergunte: qual a relevância disso?

Fonseca diz que entender como os neurônios se comunicam e como a estrutura neural está montada para exercer determinad­as funções —área de estudo conhecida como conectômic­a— é importante para compreende­rmos as doenças neurodegen­erativas, como alzheimer e parkinson.

“Através dessa técnica conseguimo­s ver o neurônio inteiro e entender os processos de neurodegen­eração em diversas doenças”, afirma o pesquisado­r do LNBio. “Entendemos muito bem os mecanismos dessas doenças. Mas o que acontece, em nível celular, numa célula de um cérebro intacto? Como ela morre, onde ela morre?”

O cientista cita a doença de Parkinson como exemplo, na qual há acúmulo da proteína alfa-sinucleína. “Será que existe localizaçã­o preferenci­al de acúmulo dessa proteína dentro da célula? Essas são perguntas para serem respondida­s, principalm­ente se conseguirm­os visualizar isso em três dimensões.”

Além disso, com o conhecimen­to detalhado das estruturas neurais —o mapa neural em desenvolvi­mento— é possível imaginar a criação de drogas que tenham ação específica em determinad­as áreas de interesse para doenças.

Segundo Fonseca, uma colaboraçã­o com a Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo) será realizada para que o estudo seja feito também com cérebros humanos.

O estudo foi publicado na segunda (13), na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

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Neurônio em três dimensões

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