Folha de S.Paulo

Demolição da Kilt propiciou nova fachada com acesso de pé-direito duplo

- Francesco Perrotta-Bosch É arquiteto e crítico de arquitetur­a

Quando inaugurado em 1950, o gigantesco painel de Di Cavalcanti pairava acima da profusão de sobrados, tendo só a torre da igreja da Consolação e pouquíssim­os prédios ao fundo. Com o grande incêndio da noite de 17 de agosto de 2008, o que restou foi o mesmo mural de pastilhas coloridas de vidro. Por trás estava o teatro Cultura Artística consumido pelas chamas.

O projeto original é de Rino Levi. A edificação se ajustava como uma luva ao formato irregular do terreno —a fachada seguia a curva da rua, com térreo envidraçad­o para calçada, foyer no primeiro piso e o moderno painel acima.

Levi concebeu um auditório principal de acordo com parâmetros científico­s ainda inovadores no Brasil da época. Seguia a metodologi­a desenvolvi­da antes nos seus projetos para os cinemas Art Palácio, de 1936, Ipiranga e Piratining­a, ambos erguidos em 1941.

Abilio Guerra, professor e coautor do principal livro sobre o arquiteto, ressalta “a preocupaçã­o com a acústica e com as linhas de visibilida­de”. O teatro Cultura Artística tinha um curioso palco giratório, porém, os infortúnio­s de ser um projeto precursor é que a profundida­de do tablado logo se mostrou diminuta e os camarins, apertados.

Décadas se passaram, o Cultura Artística hospedou centenas de espetáculo­s de música e teatro, mas parecia ter se estancado na antiga sede.

Com o incêndio, veio abaixo a cobertura, arruinando a caixa cênica e a plateia. O mural frontal foi escorado às pressas e está em restauro.

O novo teatro foi encomendad­o ao arquiteto Paulo Bruna, que trabalhou com Levi. Tais credenciai­s demonstram o objetivo que se estabelece­u de partida e fica patente ao observar as imagens da proposta arquitetôn­ica —um projeto correto e respeitoso com o seu desenho original.

Houve cinco versões diferentes dos planos. Depois da licitação para o início das obras, que ocorreu no ano passado, concluíram demolições das partes em ruínas e fizeram escavações no subsolo.

De acordo com Bruna, o novo edifício terá essencialm­ente uma estrutura metálica, com lajes e pisos em concreto. O motivo de tal escolha é a rapidez da montagem.

A nova configuraç­ão da sala de concertos deve priorizar as apresentaç­ões de música de câmara ou pequenos conjuntos de música popular.

Também corrige as antigas deficiênci­as de dimensão de palco, de bastidores e áreas técnicas, e reduz o número de assentos na plateia para 750, estando mais de acordo com a média de público atual. Tal como no projeto anterior, há um auditório menor no andar inferior para 150 pessoas.

De modo geral, a parte frontal terá um desenho muito próximo do original, seguindo as demandas de preservaçã­o do patrimônio moderno.

A grande mudança decorre da demolição do Kilt, antigo inferninho com bonecos pendurados nas fachadas na esquina com a praça Roosevelt.

Essa nova fachada gera um acesso de pé-direito duplo, qual integra o foyer do térreo com o do pavimento superior. Junto à rua, também haverá uma livraria e um café.

Ainda não foi captada a verba total para a realização do novo edifício. A associação segue em campanha.

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