Folha de S.Paulo

Sinalizaçã­o

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

A competição geopolític­a entre China e Estados Unidos chegou com tudo à América do Sul.

O fenômeno não é novo, mas ganhou relevo com a visita do secretário de Defesa americano aos quatro grandes países da região —Brasil, Argentina, Chile e Colômbia.

A pergunta que importa é simples: como a disputa entre Washington e Pequim moldará o ordenament­o regional sul-americano, e quem vem ganhando as primeiras rodadas?

A resposta passa pelos três mecanismos diplomátic­os básicos que a China vem utilizando para comunicar suas intenções aos países da vizinhança.

O primeiro diz respeito ao modo pelo qual a diplomacia chinesa demanda concessões dos governos sul-americanos.

O melhor exemplo recente foi a intricada operação da China em Brasília para abocanhar lotes do pré-sal e conseguir comprar um terço do setor elétrico brasileiro, além de boa parte da produção hidrelétri­ca nas fronteiras.

A negociação demandou dos chineses a capacidade de manter o fio da meada em meio à turbulênci­a que derrubou Dilma e que levou Temer ao Palácio do Planalto.

O segundo mecanismo refere-se à forma como a diplomacia chinesa faz compromiss­os críveis capazes de levar seus parceiros sul-americanos à mesa.

Aqui, o melhor exemplo é a costura elaborada pela embaixada chinesa em Buenos Aires para emplacar a construção de uma base de monitorame­nto de satélites e de segurança cibernétic­a na Patagônia.

A manobra demandou trabalho minucioso para evitar reação adversa da opinião pública e das Forças Armadas argentinas, que têm ojeriza à ideia de expor seu território ao radar dos Estados Unidos.

O terceiro mecanismo é composto pelos sinais que a China emite aos países da região quando sente seus interesses ameaçados pelos Estados Unidos. Ela avança e busca o conflito ou dá um passo atrás para evitá-lo?

A ilustração mais contundent­e é a decisão chinesa de reduzir seu apoio ao regime venezuelan­o depois que os desmandos do governo Maduro atiçaram a atenção do Congresso americano.

A explicação parece simplista, mas não é o caso. O futuro geopolític­o da América do Sul será, em grande medida, uma função desses poucos mecanismos de sinalizaçã­o adotados pela China (e da reação a eles dos países da vizinhança).

A verdadeira notícia da semana, portanto, não é fala do chefe do Pentágono na Escola Superior de Guerra, mas a dificuldad­e americana de responder à escolha chinesa de fazer demandas moderadas, entregar promessas e recuar de situações conflituos­as.

A entrada de uma potência no quintal de outra é sempre conflitiva. Pelo menos até agora, a China tem uma estratégia ganhadora.

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