Folha de S.Paulo

Em 55 ações, estados deflagram guerra judicial à União por dinheiro público

Assessor da Fazenda critica em nota técnica ao STF crescente judicializ­ação na disputa por recursos

- William Castanho

Em meio à crise econômica, que afeta a arrecadaçã­o, estados declaram guerra contra a União na Justiça em uma disputa por dinheiro público.

Segundo o Ministério da Fazenda, a União é alvo de pelo menos 55 ações que buscam repassar dívidas e custos fiscais ao governo federal.

A crítica à crescente judicializ­ação consta de nota técnica do chefe da Assessoria Especial da pasta, o economista Marcos Mendes.

O documento foi anexado em parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) contra um processo ajuizado por 23 estados e o Distrito Federal no STF (Supremo Tribunal Federal), em 11 de junho deste ano.

Ministros já concederam, apenas em 2018, liminares (decisões provisória­s) contra a União em ações que beneficiam sete estados e envolvem a discussão de R$ 2,3 bilhões.

No processo com a manifestaç­ão de Mendes, os governador­es alegam que o governo federal comete fraude ao prolongar, até 2023, a DRU (desvincula­ção de receitas da União).

Prevista em emenda à Constituiç­ão, a medida autoriza a destinação de 30% de recursos de contribuiç­ões sociais, como PIS/Cofins, para outras áreas que não Previdênci­a, saúde e assistênci­a social.

Os governador­es reivindica­m a partilha de R$ 20 bilhões.

“É disso que se trata o atual pleito: mais uma tentativa de, pela via judicial, continuar atuando como ‘carona’ e repassando custos ao governo federal”, escreve Mendes em documento de 27 de julho.

A carona, segundo ele, resume a falta de responsabi­lidade e comprometi­mento de estados e municípios em ajudar no equilíbrio fiscal do país —ou seja, gastar dinheiro público que de fato se arrecada.

O pedido dos governador­es é só mais um ingredient­e na briga por recursos, enquanto a equipe econômica discute se o próximo presidente conseguirá respeitar o teto de gastos. Segundo a regra, o governo só pode elevar suas despesas no limite da inflação.

“O caminho mais fácil sempre foi se endividar, gastar mais, cobrar pouco imposto e, depois, alegar que se está em situação famélica, que não há como financiar serviços básicos à população e que por isso se torna imperiosa a ajuda federal”, afirma Mendes.

A nota cita decisões que obrigam a União a devolver recursos a estados e impedem a execução de garantias previstas em contratos.

Medidas judiciais ainda permitem adesão ao regime de recuperaçã­o fiscal, criado para socorrer os estados, sem a desistênci­a de ações contra a União e sem o cumpriment­o de seus requisitos.

Contra o argumento de que a União retém dinheiro dos demais entes, Mendes afirma que o recente refinancia­mento de dívidas de estados e municípios “demonstra que a Federação brasileira está longe de um modelo em que a União draga recursos subnaciona­is e concentra poder financeiro”.

Para ele, no atual contexto de déficit da Previdênci­a, todo o montante da DRU volta ao Orçamento da seguridade.

Em 2016, foram necessário­s R$ 52,2 bilhões em emissão de títulos da dívida pública para fechar as contas da Previdênci­a, além de incorporaç­ão de R$ 29,6 bilhões em remuneraçã­o feita pelo Banco Central ao Tesouro Nacional.

Mendes recomenda aos estados que sigam o caminho do acordo político e façam reformas assim como a União.

Os governador­es, porém, liderados por Minas Gerais e pelo CNPG (Colégio Nacional dos Procurador­es-Gerais) —com as exceções dos chefes do Executivo de São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo—, afirmam na ação que a DRU “se tornou permanente”.

“Essa prática se qualifica como verdadeira fraude à norma constituci­onal”, escrevem o governador Fernando Pimentel (PT), o procurador-geral do estado, Onofre Alves Batista Júnior, o procurador Carlos Victor Muzzi Filho e o presidente da Câmara Técnica do CNPG, Ulisses Schwarz Viana.

O caso está sob relatoria de Rosa Weber. Ela pediu informaçõe­s à Presidênci­a da República, ao Senado, à Câmara e ao Ministério do Planejamen­to. A ministra encaminhou o caso à PGR (Procurador­ia-Geral da República) e à AGU.

Ao Supremo a AGU diz que a DRU tem sido tratada como mecanismo flexível, “com vigência temporária, ou seja, com data certa de término”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também enviou sua prestação de informaçõe­s. Ele afirma que as PECs (propostas de emendas à Constituiç­ão) da DRU “foram processada­s dentro dos estritos trâmites constituci­onais e regimentai­s”.

“O caminho mais fácil sempre foi se endividar, gastar mais, cobrar pouco imposto e, depois, alegar que se está em situação famélica Marcos Mendes chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda

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