Como desencaixotar o futuro
Tolerância ao fracasso e descentralização de decisões são cruciais para avanço das empresas, afirmam especialistas
Mais que o desenvolvimento de novas tecnologias, o ambiente corporativo do Brasil no século 21 depende de uma cultura propícia a atitudes inovadoras, que tolere o fracasso, valorize o erro e multiplique os talentos, concluíram participantes de debate sobre o tema realizado pela Folha
Sem deixar de lado o desenvolvimento de novas tecnologias, o avanço das companhias dependerá de inovações nas formas de gestão e de mudança na cultura das corporações.
Aspectos como a tolerância ao fracasso, a valorização do erro, a descentralização da tomada de decisões e a promoção de talentos são apontados por especialistas como os próximos passos fundamentais para os ambientes corporativos do século 21.
Em debate com representantes do governo, de empresas e outras entidades, o tema fez parte do 2º seminário Inovação no Brasil, realizado pela Folha, com patrocínio da Embratel e apoio da Braskem e do grupo Energisa, na segunda-feira (13), no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo.
Mediadas pelos jornalistas da Folha Everton Lopes Batista e Joana Cunha, as mesas contemplaram alguns dos entraves para o desenvolvimento do país. O Brasil ocupa hoje a 64ª posição no Índice Global de Inovação, que avaliou 126 países quanto a insumos e produtos inovadores. Está atrás de Colômbia, Chile e México. A Suíça é líder.
Novas formas de gestão das empresas são tão decisivas para a competitividade como o desenvolvimento tecnológico, segundo João Emílio Gonçalves, gerente-executivo de política industrial da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
“Essa agenda de difusão de tecnologias [que inclui organização das empresas e inovação] terá peso importante na geração de renda e de empregos no país, e precisa entrar na pauta da indústria 4.0”, afirmou Gonçalves. Para o executivo, a discussão sobre inovação ainda é centrada em áreas de alta intensidade tecnológica de grandes empresas.
Diretor do BRICLab da Universidade Columbia e colunista da Folha, Marcos Troyjo afirmou que o “talento será o divisor de águas” nessa nova fase da inovação.
Ele explica que sua concepção de talento não significa a habilidade individual de aperfeiçoar vocações, mas sim, no âmbito empresarial, a capacidade de inovar para além dos setores nos quais já se produz.
Economista e cientista político, Troyjo defende a ideia de que os inovadores de nosso tempo serão os profissionais metacompetentes. “São aqueles engenheiros que conseguem ler contrato, são aqueles filósofos que gostam das ciências exatas.”
Para ele, a inovação acontece em ambientes que combinam três fatores: a acumulação de capital, de conhecimento, e de empreendedorismo. A maneira pela qual esses três elementos se juntam é a cultura. “Essa cultura é que irá gerar a inovação.”
“O governo tem o papel de fomentar, de induzir, de dar melhores condições para que o setor privado faça o seu papel [no desenvolvimento tecnológico]. O governo não atrapalhando já ajuda bastante Marcos Jorge de Lima, ministro da Indústria e Comércio Exterior
O Brasil ocupa hoje a 64ª posição no Índice Global de Inovação, que avalia 126 países, atrás da Colômbia e do México
Em Israel, somos pragmáticos e até meio brutos nos negócios. Precisamos ter criatividade e rapidez para resolver nossa falta de recursos naturais. Vejo os brasileiros muitas vezes tímidos demais Dori Goren, cônsul-geral de Israel em São Paulo
“Precisamos de padrão de segurança que venha de fábrica. Se eu for descartar uma smart TV ou uma smart geladeira, como faço para ter certeza de que aquele bem não tem mais informações minhas? Patrícia Peck, advogada especialista em direito digital
“Entramos numa fase da corrida global por inovação que talvez receba o nome do novo ciclo do talento. Os profissionais inovadores serão aqueles filósofos que gostam das ciências exatas Marcos Troyjo, da Universidade Columbia e colunista da Folha
A explicação de Troyjo é baseada no índice de sucesso tecnológico (TAI, na sigla em inglês), elaborado pelo ganhador do prêmio Nobel de economia Amartya Sen.
Entre as transformações de cultura para alavancar a inovação, Israel e Alemanha fornecem modelos de boas práticas que podem ser adaptados para o Brasil.
De acordo com o cônsul-geral de Israel em São Paulo, Dori Goren, uma jovem startup que fracassou naquele país é incentivada a procurar financiamento público novamente. Isso porque se considera que seus idealizadores aprenderam com a experiência e farão melhor na próxima tentativa.
“Na cultura de Israel, há tolerância ao fracasso. Essa é uma diferença crucial. Aqui no Brasil, uma startup pequena recebe dinheiro, mas, se fracassa, acabou. Precisamos mudar essa cultura do fracasso.”
Na Alemanha, segundo o diretor-executivo da Associação de Engenheiros BrasilAlemanha, Johannes Klingberg, as mudanças culturais nas organizações visam a valorização do erro como forma de aprendizado.
“O país enfrenta o desafio de incentivar as pessoas a admitirem seus erros para acelerar e potencializar a transformação digital”, disse Klingberg.
Para ele, é necessário que as corporações em todo o mundo avancem em termos organizacionais e culturais para alavancar o potencial que as transformações tecnológicas prometidas pela indústria 4.0 podem trazer.
No Brasil, o especialista aponta que o principal benefício do conjunto de transformações tecnológicas, organizacionais e culturais é a agilidade. Mas, para que seja alcançada, é importante que se transforme também o processo de tomada de decisão.
Segundo Klingberg, isso significa que cada vez mais as pessoas terão que assumir a responsabilidade pelas escolhas, em um esforço de descentralização da gestão.
“Não posso confiar que haverá um gerente na frente que vai checar os meus resultados. Cada um precisa assumir a responsabilidade pela decisão e pelo próprio desenvolvimento”, completa o executivo.
“Não é proibido, mas é praticamente impossível conseguir contratar uma startup no setor público. A empresa dificilmente vai cumprir com todos os requisitos exigidos Guido Amin, comandante de defesa cibernética do Ministério da Defesa