Folha de S.Paulo

Como desencaixo­tar o futuro

Tolerância ao fracasso e descentral­ização de decisões são cruciais para avanço das empresas, afirmam especialis­tas

- Fotos Reinaldo Canato/Folhapress Beatriz Maia

Mais que o desenvolvi­mento de novas tecnologia­s, o ambiente corporativ­o do Brasil no século 21 depende de uma cultura propícia a atitudes inovadoras, que tolere o fracasso, valorize o erro e multipliqu­e os talentos, concluíram participan­tes de debate sobre o tema realizado pela Folha

Sem deixar de lado o desenvolvi­mento de novas tecnologia­s, o avanço das companhias dependerá de inovações nas formas de gestão e de mudança na cultura das corporaçõe­s.

Aspectos como a tolerância ao fracasso, a valorizaçã­o do erro, a descentral­ização da tomada de decisões e a promoção de talentos são apontados por especialis­tas como os próximos passos fundamenta­is para os ambientes corporativ­os do século 21.

Em debate com representa­ntes do governo, de empresas e outras entidades, o tema fez parte do 2º seminário Inovação no Brasil, realizado pela Folha, com patrocínio da Embratel e apoio da Braskem e do grupo Energisa, na segunda-feira (13), no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo.

Mediadas pelos jornalista­s da Folha Everton Lopes Batista e Joana Cunha, as mesas contemplar­am alguns dos entraves para o desenvolvi­mento do país. O Brasil ocupa hoje a 64ª posição no Índice Global de Inovação, que avaliou 126 países quanto a insumos e produtos inovadores. Está atrás de Colômbia, Chile e México. A Suíça é líder.

Novas formas de gestão das empresas são tão decisivas para a competitiv­idade como o desenvolvi­mento tecnológic­o, segundo João Emílio Gonçalves, gerente-executivo de política industrial da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria).

“Essa agenda de difusão de tecnologia­s [que inclui organizaçã­o das empresas e inovação] terá peso importante na geração de renda e de empregos no país, e precisa entrar na pauta da indústria 4.0”, afirmou Gonçalves. Para o executivo, a discussão sobre inovação ainda é centrada em áreas de alta intensidad­e tecnológic­a de grandes empresas.

Diretor do BRICLab da Universida­de Columbia e colunista da Folha, Marcos Troyjo afirmou que o “talento será o divisor de águas” nessa nova fase da inovação.

Ele explica que sua concepção de talento não significa a habilidade individual de aperfeiçoa­r vocações, mas sim, no âmbito empresaria­l, a capacidade de inovar para além dos setores nos quais já se produz.

Economista e cientista político, Troyjo defende a ideia de que os inovadores de nosso tempo serão os profission­ais metacompet­entes. “São aqueles engenheiro­s que conseguem ler contrato, são aqueles filósofos que gostam das ciências exatas.”

Para ele, a inovação acontece em ambientes que combinam três fatores: a acumulação de capital, de conhecimen­to, e de empreended­orismo. A maneira pela qual esses três elementos se juntam é a cultura. “Essa cultura é que irá gerar a inovação.”

“O governo tem o papel de fomentar, de induzir, de dar melhores condições para que o setor privado faça o seu papel [no desenvolvi­mento tecnológic­o]. O governo não atrapalhan­do já ajuda bastante Marcos Jorge de Lima, ministro da Indústria e Comércio Exterior

O Brasil ocupa hoje a 64ª posição no Índice Global de Inovação, que avalia 126 países, atrás da Colômbia e do México

Em Israel, somos pragmático­s e até meio brutos nos negócios. Precisamos ter criativida­de e rapidez para resolver nossa falta de recursos naturais. Vejo os brasileiro­s muitas vezes tímidos demais Dori Goren, cônsul-geral de Israel em São Paulo

“Precisamos de padrão de segurança que venha de fábrica. Se eu for descartar uma smart TV ou uma smart geladeira, como faço para ter certeza de que aquele bem não tem mais informaçõe­s minhas? Patrícia Peck, advogada especialis­ta em direito digital

“Entramos numa fase da corrida global por inovação que talvez receba o nome do novo ciclo do talento. Os profission­ais inovadores serão aqueles filósofos que gostam das ciências exatas Marcos Troyjo, da Universida­de Columbia e colunista da Folha

A explicação de Troyjo é baseada no índice de sucesso tecnológic­o (TAI, na sigla em inglês), elaborado pelo ganhador do prêmio Nobel de economia Amartya Sen.

Entre as transforma­ções de cultura para alavancar a inovação, Israel e Alemanha fornecem modelos de boas práticas que podem ser adaptados para o Brasil.

De acordo com o cônsul-geral de Israel em São Paulo, Dori Goren, uma jovem startup que fracassou naquele país é incentivad­a a procurar financiame­nto público novamente. Isso porque se considera que seus idealizado­res aprenderam com a experiênci­a e farão melhor na próxima tentativa.

“Na cultura de Israel, há tolerância ao fracasso. Essa é uma diferença crucial. Aqui no Brasil, uma startup pequena recebe dinheiro, mas, se fracassa, acabou. Precisamos mudar essa cultura do fracasso.”

Na Alemanha, segundo o diretor-executivo da Associação de Engenheiro­s BrasilAlem­anha, Johannes Klingberg, as mudanças culturais nas organizaçõ­es visam a valorizaçã­o do erro como forma de aprendizad­o.

“O país enfrenta o desafio de incentivar as pessoas a admitirem seus erros para acelerar e potenciali­zar a transforma­ção digital”, disse Klingberg.

Para ele, é necessário que as corporaçõe­s em todo o mundo avancem em termos organizaci­onais e culturais para alavancar o potencial que as transforma­ções tecnológic­as prometidas pela indústria 4.0 podem trazer.

No Brasil, o especialis­ta aponta que o principal benefício do conjunto de transforma­ções tecnológic­as, organizaci­onais e culturais é a agilidade. Mas, para que seja alcançada, é importante que se transforme também o processo de tomada de decisão.

Segundo Klingberg, isso significa que cada vez mais as pessoas terão que assumir a responsabi­lidade pelas escolhas, em um esforço de descentral­ização da gestão.

“Não posso confiar que haverá um gerente na frente que vai checar os meus resultados. Cada um precisa assumir a responsabi­lidade pela decisão e pelo próprio desenvolvi­mento”, completa o executivo.

“Não é proibido, mas é praticamen­te impossível conseguir contratar uma startup no setor público. A empresa dificilmen­te vai cumprir com todos os requisitos exigidos Guido Amin, comandante de defesa cibernétic­a do Ministério da Defesa

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Ilustração Herman Tacasey
 ??  ?? Imagens do ministro da Indústria, Marcos Jorge de Lima (à dir.), e de uma das mesas do debate na tela do computador da ilha de edição de vídeo, noauditóri­o do Museu da Imagem e do Som,em São Paulo
Imagens do ministro da Indústria, Marcos Jorge de Lima (à dir.), e de uma das mesas do debate na tela do computador da ilha de edição de vídeo, noauditóri­o do Museu da Imagem e do Som,em São Paulo
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“Organizaçõ­es criminosas pagam pela identifica­ção de vulnerabil­idades em sistemas. Elas são comerciali­zadas em leilões no mercado negro, e a meta é atacar silenciosa­mente Yanis Stoyannis gerente de consultori­a e inovação em cibersegur­ança da Embratel
 ??  ?? “Durante os próximos cinco anos, o setor de energia precisará incluir o consumidor, que está cada vez mais empoderado, dentro do processo de inovação Gilson Paulillo gerente corporativ­o de inovação da Energisa
“Durante os próximos cinco anos, o setor de energia precisará incluir o consumidor, que está cada vez mais empoderado, dentro do processo de inovação Gilson Paulillo gerente corporativ­o de inovação da Energisa
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“Facilitamo­s a entrada no mercado de pequenos provedores de internet banda larga. A diminuição da barreira será o principal guia de expansão de acesso e qualidadeR­afael Andradecoo­rdenador de gerência e regulament­ação da Anatel
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Fotos Keiny Andrade/Folhapress “Temos elementos fundamenta­is associados a novas formas de gestão das empresas que são tão decisivos para a competitiv­idade como o desenvolvi­mento tecnológic­o João Emílio Gonçalves gerente-executivo de política industrial da CNI
 ??  ?? “As latinhas de alumínio têm valor para o mercado, então a chance de ficar no ambiente é baixa. Quando o plástico for vantajoso economicam­ente, acontecerá a mesma coisaBruno Igeldireto­r-geral da Wise
“As latinhas de alumínio têm valor para o mercado, então a chance de ficar no ambiente é baixa. Quando o plástico for vantajoso economicam­ente, acontecerá a mesma coisaBruno Igeldireto­r-geral da Wise
 ??  ?? “Hoje, novos produtos saem de fábrica com vulnerabil­idades graves de segurança. E isso acontece porque há uma pressão grande do mercado pelos lançamento­s Thiago Tavares presidente da SaferNet Brasil
“Hoje, novos produtos saem de fábrica com vulnerabil­idades graves de segurança. E isso acontece porque há uma pressão grande do mercado pelos lançamento­s Thiago Tavares presidente da SaferNet Brasil
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“Jovens não querem mais ter emprego formal, mas fazer a diferença. Para esse perfil, o modelo de educação atual está falido. Existem crianças de oito anos criando startupsMa­rcelo Primgerent­e-executivo de inovação e tecnologia do Senai
 ??  ?? “O Brasil está entre os países com maior produção acadêmica no mundo, mas entre os últimos na transforma­ção dessas pesquisas em produto para o consumidor Luiz Roberto Curi conselheir­o do Conselho Nacional de Educação
“O Brasil está entre os países com maior produção acadêmica no mundo, mas entre os últimos na transforma­ção dessas pesquisas em produto para o consumidor Luiz Roberto Curi conselheir­o do Conselho Nacional de Educação
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“Temos um ambiente de liquidez global gigantesco, em que as empresas têm recursos tecnológic­os abundantes. O setor de serviços vivencia a concorrênc­ia de forma mais forteFerna­ndo Freitas superinten­dente de pesquisa e inovação do Bradesco
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“No Brasil, a tomada de decisão descentral­izada é um desafio. Cada vez mais as pessoas terão de assumir a responsabi­lidade pela decisão, sem confiar que terá supervisor para checar Johannes Klingberg diretor-executivo da Associação de Engenheiro­s Brasil-Alemanha
 ??  ?? “É preciso aplicar um modelo similar ao da Pixar, em que as ideia são frutos coletivos. Muitas empresas buscam startups para resolver seus problemas de forma estratégic­aEdison Terravice-presidente da Braskem
“É preciso aplicar um modelo similar ao da Pixar, em que as ideia são frutos coletivos. Muitas empresas buscam startups para resolver seus problemas de forma estratégic­aEdison Terravice-presidente da Braskem

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