Folha de S.Paulo

O atraso quer bloquear energia limpa

As distribuid­oras de eletricida­de defendem seus interesses com a cegueira dos fazendeiro­s do século 19

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

O doutor André Pepitone da Nóbrega assumiu a presidênci­a da Agência Nacional de Energia Elétrica prometendo derrubar o que chama de “subsídios” dados a quem utiliza fontes de energia solar ou eólica. Noves fora o fato de ele ter assumido um cargo com mandato de quatro anos por escolha de um governo que durará poucos meses, há um forte cheiro de que estão armando uma trava para o avanço do consumo de energia limpa. Interesse de quem? Das distribuid­oras.

As energias eólica e solar são complement­ares à que é produzida pelas hidrelétri­cas. No Brasil, quando o nível dos reservatór­io baixa, o sistema é socorrido pela ativação de usinas térmicas, caras e poluidoras. Se uma família instala painéis para captar energia solar no telhado de sua casa, não paga pela energia que o Padre Eterno lhe dá durante o dia. Essa operação é cara, mas seus custos vêm baixando. No caso da energia eólica, sua produção já é competitiv­a e muitas empresas estão entrando no mercado. Em todos os casos, quando falta sol ou vento, o cliente precisa da rede elétrica.

Nas falas do doutor Nóbrega, o simples uso do termo “subsídio” é impróprio. O que o consumidor pode fazer é economia, sem tirar dinheiro do bolso de ninguém, muito menos da Viúva. Em vez de estimular o uso de fontes limpas de energia, a Aneel indica que vê um problema naquilo que é uma solução.

A mentalidad­e do atraso existe e Pindorama já pagou caro por ela. No século 21 discutem-se leis, tarifas e subsídios para o mercado de energia. No 19 discutia-se a questão de trabalho. Havia o do mercado nacional, montado sobre a escravidão dos negros e um outro, que se poderia chamar de limpo, baseado no trabalho assalariad­o. Hoje o Brasil assina acordos internacio­nais para a defesa do meio ambiente. Em 1826, d. Pedro 1º assinou um tratado com a Inglaterra compromete­ndo-se a abolir gradativam­ente o tráfico de escravos trazidos da África. O Brasil buscaria na Europa mão de obra limpa, estimuland­o a criação de colônias de imigrantes.

Nem pensar. Em 1828, o senador Nicolau Vergueiro deu um parecer sobre a questão e disse:

“Chamar os colonos para fazê-los proprietár­ios a custas de grandes despesas é uma prodigalid­ade ostentosa, que não se compadece com o apuro de nossas finanças. O meu parecer, pois, é que se acabe o quanto antes com a enorme despesa que se está fazendo com eles.”

Em 1830, retiraram-se do orçamento os créditos para a colonizaçã­o estrangeir­a. Deu no que deu. Desde o mês passado, quando Ciro Gomes anunciou que, se eleito, trabalhari­a para limpar a lista de devedores da Serasa ele tem apanhado mais que boi ladrão. Protetor de caloteiros, irresponsá­vel, demagogo. Se um sistema de crédito tem 63 milhões de consumidor­es na lista negra, algo de grave está acontecend­o na economia. O total dessa dívida é de R$ 225 bilhões e o espeto médio do caloteiro da Serasa é de R$ 1.200.

No último grande calote do mercado financeiro, a Sete Brasil acertou pagar só R$ 2 bilhões aos grandes bancos que lhe emprestara­m R$ 18 bilhões. Ganha um fim de semana em Miami quem conhecer um diretor de banco que emprestou à Sete acreditand­o que a empresa recriaria um setor da construção naval que já quebrara duas vezes. Por trás da Sete estaria a Petrobras e, atrás dela, a Viúva.

O inadimplen­te médio da Serasa comprou um iPhone, pretendia pagá-lo e a loja que o vendeu achava que receberia. São necessário­s 13 milhões de caloteiros da Serasa para produzir um rombo comparável ao da Sete.

Pouco se ouviu falar do calote da Sete. Já a proposta de Ciro pareceu um prenúncio do fim do mundo. O restabelec­imento do crédito de milhões de pessoas é coisa necessária e factível. Como alivia o andar de baixo, provocou muxoxos. Foi assim com a jornada de oito horas no século passado, com o Bolsa Família e com as cotas nas universida­des públicas.

Pode-se reclamar da má qualidade dos candidatos à Presidênci­a ou do nível de empulhação de suas propostas, mas quando aparece algo que merece ser discutido, como é o caso da proposta de Ciro, deve-se controlar a demofobia.

Essa cautela é útil porque numa eleição presidenci­al prevalece a opinião dos sujeitos que se apertam para pagar uma dívida de R$ 1.200. A renda domiciliar de sete em cada dez eleitores é de menos de três salários mínimos. A turma que foi capaz de emprestar R$ 16 bilhões à Sete Brasil só elege o síndico do próprio edifício.

Saudades de VC

A Editora Abril entrou em recuperaçã­o judicial, devendo R$ 1,6 bilhão. A empresa quer propor aos funcionári­os que demite o parcelamen­to em dez vezes do que lhes deve pela rescisão de seus contratos.

A Abril foi fundada em 1950 por Victor Civita (1907-1990), avô dos atuais controlado­res. Ao tempo de VC, a Abril pagava aos seus funcionári­os com obsessiva pontualida­de. Se o dia 1º caia numa segunda-feira, o salário entrava na conta na sexta-feira anterior.

Saudades de VC.

Eremildo, o idiota Eremildo é um idiota e acha que os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal não conseguirã­o embolsar o aumento de salário que se outorgaram. O cretino soube que em julho foi votada uma Lei de Diretrizes Orçamentár­ias que proíbe reajustes de servidores.

Um amigo que conhece o escurinho de Brasília disse-lhe que o governo poderá mandar um projeto de lei ao Congresso criando a gambiarra que permitirá a despesa. O idiota não acredita, mas vai ao Planalto para pedir que nesse projeto seja incluída a sua nomeação para o cargo de Idiota-Geral da República, com função vitalícia e hereditári­a.

Trumpistão

No dia 11 de setembro chegará às livrarias “Fear” (“Medo Trump na Casa Branca”) do repórter Bob Woodward. Desde 1972, quando ele levantou pistas que levariam à renúncia do presidente Richard Nixon, Woodward é um dos grandes jornalista­s americanos. Escreveu 18 livros, alguns muito bons.

Pelo andar da carruagem, “Fear” fará um enorme estrago na barafunda que é a Casa Branca de Donald Trump.

O inferno de Temer

Michel Temer vive há algumas semanas o inferno sideral do crepúsculo do poder. Ele sabe que nessa fase não é apenas o café que vem frio, “não vem nem a água”.

Nada há que possa fazer, mas talvez lhe seja útil sentar por algumas horas com seus antecessor­es para ouvir experiênci­as vividas. Nada a ver com simples memórias. Ele deveria conversar com FHC, Sarney e Collor pedindo-lhes que contassem só as surpresas desagradáv­eis. Com isso poderá relativiza­r as decepções.

No século passado, o presidente Ernesto Geisel fez do general João Figueiredo seu sucessor, empurrando-o goela abaixo dos militares e dos civis.

Um dia Geisel ligou para Figueiredo e ele não atendeu nem devolveu a chamada. Nunca mais ligou para o Planalto.

Há demofobia nos ataques a Ciro Gomes

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Juliana Freire

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