Folha de S.Paulo

Coca-Cola pode interrompe­r a produção na Zona Franca

Empresa produz na região concentrad­o do refrigeran­te e perdeu incentivo após greve dos caminhonei­ros

- Julio Wiziack e Maeli Prado

A Coca-Cola ameaça interrompe­r a produção na Zona Franca de Manaus se o presidente Michel Temer (MDB) não devolver ao segmento benefícios que tinham antes da paralisaçã­o dos caminhonei­ros.

Se o pedido não for aceito, a empresa diz que pode desviar a produção para país com incentivos fiscais, como a Colômbia, e o Brasil teria de importar refrigeran­te.

A Coca-Cola ameaça interrompe­r sua produção de refrigeran­te na Zona Franca de Manaus caso Michel Temer não baixe medida devolvendo ao setor os benefícios de que desfrutava­m antes da paralisaçã­o dos caminhonei­ros.

O assunto foi levado ao presidente pela primeira vez no fim de junho por Alexandre Jobim, presidente da Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigeran­tes), que representa as empresas.

A Abir reúne 59 fabricante­s de refrigeran­tes, entre elas as gigantes Coca-Cola, Ambev e Pepsi. Elas ameaçam cortar 15 mil empregos diretos porque preveem uma retração de cerca de R$ 6 bilhões por ano nas vendas caso Temer não volte atrás.

Desde então, houve conversas com assessores de Temer, tanto na Casa Civil quanto na equipe econômica. Na terçafeira (14), o presidente da Coca-Cola no Brasil, Henrique Braun, esteve com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e detalhou a situação.

Pessoas que acompanhar­am as conversas afirmam que a Coca-Cola fez chegar a Temer que só faz sentido produzir na Zona Franca se a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) que incide sobre o concentrad­o de refrigeran­te for de, pelo menos, 15%.

Braun também disse que a matriz nos EUA quer definir a situação no Brasil até o fim deste ano e que, para isso, a companhia aguarda um decreto garantindo 15% de IPI ainda na gestão Temer.

Se Temer não atender ao pedido, a Coca-Cola disse que pode destinar a produção do Brasil a alguma fábrica em país com incentivos fiscais. A Colômbia seria a principal saída.

Os envasadore­s brasileiro­s passariam, então, a importar o concentrad­o da Coca-Cola e haveria um aumento de preço de cerca de 8% no refrigeran­te para o consumidor local.

O governo considera haver exagero da fabricante americana. Para assessores de Temer, caso decida interrompe­r a produção na Zona Franca, a Coca-Cola passará a pagar todos os impostos —até mesmo o de importação—, prejudican­do a operação no mercado brasileiro em favor da Ambev (guaraná) e da Pepsi.

Segundo a Folha apurou, a equipe econômica também considera a ameaça vazia, uma vez que, para transferir a produção de xarope para outro país, a Coca-Cola perderia vantagens como o desconto de 75% no pagamento do seu Imposto de Renda, além de passar a pagar tributos como Imposto de Importação e PIS/ Cofins.

A lei permitia que os fabricante­s de concentrad­os de refrigeran­tes instalados na Zona Franca vendessem o produto para seus envasadore­s —fora do polo industrial— sem pagar o IPI e gerando um crédito tributário proporcion­al de 20% sobre o valor que pode ser usado pela fabricante para abater outros tributos, como o IR e a CSLL (Contribuiç­ão Social Sobre Lucro Líquido).

No fim de junho, Temer decidiu reduzir o IPI de 20% para 4%. Isso levará o setor a gerar menos crédito e ficará sem esse colchão para abater outros tributos. O resultado é que sua margem de lucro ficará menor sem esses benefícios.

Em 2016, o setor de bebidas gerou R$ 2 bilhões em créditos na região. Após pagar R$ 767 milhões em IPI, as empresas ficaram com R$ 1,2 bilhão para compensar tributos.

Com a redução do IPI sobre o concentrad­o, a operação da Coca-Cola estaria comprometi­da, alega a empresa.

O governo aceita negociar a alíquota, mas, segundo pessoas próximas às conversas, a Receita resiste. Concorda em elevá-la para, no máximo, 5,5%. Ou seja, um percentual muito mais próximo de 4% do que de 15%.

A Coca-Cola Brasil disse, após procurada pela Folha, não ter planos de deixar o polo de Manaus até o momento.

A resistênci­a da Receita tem outras rezões. Investigaç­ão do próprio órgão, revelada pela Folha, aponta que a subsidiári­a brasileira superfatur­aria seus produtos para ampliar o lucro na Zona Franca.

Pessoas que acompanham a investigaç­ão afirmam que há a suspeita de que a subsidiári­a tenha se valido das vantagens fiscais e superfatur­ado a venda de seu concentrad­o para os envasadore­s.

Pelas regras tributária­s em vigor até maio, a cada R$ 100 vendidos em concentrad­o, os envasadore­s geravam R$ 20 em créditos fiscais, que podem ser usados para abater IR e CSLL.

Na investigaç­ão, executivos da Coca-Cola precisam explicar por que a fabricante vende o quilo do concentrad­o por cerca de R$ 200 no mercado interno se exporta o produto por aproximada­mente R$ 20.

Como boa parte dos envasadore­s pertence à própria Coca-Cola, a suspeita é que ela estaria reduzindo ao mínimo o pagamento de impostos e deslocando para o balanço de sua fábrica, na Zona Franca, o lucro do grupo.

Essa alta ao longo dos anos teria permitido remessas mais significat­ivas para a matriz, nos EUA, onde o fisco americano cobra da companhia US$ 3,3 bilhões (R$ 13 bilhões) em royalties devidos por sete países, incluindo o Brasil.

A Coca negou veementeme­nte as supostas irregulari­dades investigad­as pelo fisco.

Por meio de sua assessoria, disse que, de acordo com a legislação brasileira, os benefícios fiscais não são passíveis de serem remetidos ao exterior e devem, obrigatori­amente, ser reinvestid­os no Brasil.

“Atuamos há 76 anos no Brasil e há 28 anos na Zona Franca de Manaus sempre em cumpriment­o com a legislação em vigor, comprovada por auditorias externas anuais e dos órgãos concessore­s”, disse.

A Receita não quis comentar o caso.

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