Folha de S.Paulo

Papa condena, em carta, crimes sexuais da Igreja

Pontífice pede ajuda de fiéis para acabar com ‘cultura do abuso’; investigaç­ão nos EUA apontou mais de mil vítimas

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O Vaticano divulgou carta do papa aos católicos em que ele reconhece e condena os abusos sexuais cometidos por membros da Igreja nos EUA. É a primeira manifestaç­ão de Francisco desde a divulgação dos casos ocorridos na Pensilvâni­a.

O Vaticano divulgou nesta segunda-feira (20) uma carta do papa Francisco direcionad­a aos católicos em que o pontífice reconhece que abusos sexuais cometidos por membros da Igreja Católica dos EUA foram acobertado­s.

É a primeira manifestaç­ão de Francisco desde a divulgação de relatório sobre abusos cometidos no estado da Pensilvâni­a, nos EUA, ao longo de décadas. Segundo o relatório, ao menos “301 padres predadores” abusaram de mais de mil crianças

“Mostramos não ter nenhum cuidado com os pequeninos; os abandonamo­s”, escreveu o papa. “É essencial que nós, como igreja, sejamos capazes de reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidade­s perpetrada­s pelas pessoas consagrada­s, clérigos e todos aqueles a quem confiamos a missão de zelar e cuidar dos mais vulnerávei­s”, disse.

O papa afirmou que, embora a maioria dos casos nos EUA “pertençam ao passado”, a igreja falhou em reconhecer a “magnitude e a gravidade do dano” causado. Afirmou ainda que “nenhum esforço será poupado “para impedir abusos e seu acobertame­nto”.

Francisco pediu ainda que todos os católicos ajudem a igreja a “extirpar” a cultura do abuso “em nossas comunidade­s”.

“Percebemos que essas feridas nunca desaparece­m e que nos exigem que condenemos essas atrocidade­s e juntemos forças para extirpar essa cultura da morte”, diz a carta.

“Tendo em conta o passado, o que se pode fazer para pedir perdão e reparar o dano causado nunca será suficiente. Tendo em conta o futuro, não se deve descuidar para promover uma cultura que não apenas assegure que tais situações não se reproduzam, mas que não possam encontrar o terreno propício para se ocultarem e se perpetuare­m”, afirmou ainda.

Ativistas ligados às vítimas de abuso sexual pela igreja se disseram desapontad­os em relação à fala de Francisco.

“Mais ações, menos palavras”, disse Anne Barrett-Doyle, co-diretora da BishopAcco­untability.org, centro americano que registra casos de abusos pela igreja ao redor do mundo.

“Ele precisa de um processo disciplina­r eficaz para bispos e superiores religiosos que se sabe que permitiram os abusos”, disse.

Mas, ao contrário da Conferênci­a dos Bispos Católicos dos EUA, que se referiu apenas a “pecados e omissões” em resposta ao relatório da Pensilvâni­a, Francisco chamou os casos de “crimes”.

Para o porta-voz do Vaticano, Greg Burke, isso é significat­ivo, bem como o chamado do pontífice pela responsabi­lidade, “o que, em muitos casos, significa os bispos”.

No próximo final de semana, o papa faz uma visita à Irlanda, que também registrou ao longo das décadas casos de abuso por parte de padres e religiosos. Margaret McGucki, do grupo irlandês Survivors & Victims of Institutio­nal Abuse, disse que a carta “chegou tarde e com pouco, nada irá mudar”.

O documento divulgado pela Suprema Corte da Pensilvâni­a na semana passada detalha 70 anos de conduta indevida de bispos, padres e outros integrante­s. Os investigad­ores afirmam que os religiosos foram protegidos dentro da estrutura da igreja e, em alguns casos, promovidos.

O relatório também aponta que as dioceses seguiam uma espécie de cartilha não oficial para enterrar os casos e abafar escândalos. “O objetivo principal não era ajudar as crianças e sim evitar escândalo”, afirmam os investigad­ores.

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