Folha de S.Paulo

Sem brilho nos olhos

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Sobre falta de ambição entre alunos da rede pública.

Pobre da sociedade que fracassa em despertar a ambição de seus jovens. Ambição em seu melhor sentido, de querer alcançar algo mais na vida do que o lugar onde nasceu lhe oferece —uma chama que cabe à escola acender e sustentar.

O Brasil claudica nesse objetivo. Reportagem de domingo (19) na Folha revelou a parcela de alunos da rede pública que almejam um curso superior de quatro anos ou uma pós-graduação: 43,5%.

Em contraste, entre os que estudam em colégios particular­es o grupo dos ambiciosos sobe a 70%. E não se trata só de condição socioeconô­mica, visto que mesmo entre alunos de renda similar aos da escola pública essa parcela soma 60%, distância ainda significat­iva perante os da rede oficial de ensino.

Mesmo que se somem ao contingent­e que depende da educação pública os 9% que pelo menos sonham com um diploma de tecnólogo, ou outra graduação com duração de dois anos, ainda assim haverá quase uma metade de moças e rapazes que se contentam em interrompe­r sua formação no nível médio, ou menos.

É pouco, pouco demais. Numa economia complexa como a contemporâ­nea, o patamar secundário de educação não basta para franquear acesso aos melhores empregos e mesmo à fruição plena do que o universo da cultura tem para oferecer.

Faltará, afinal, repertório e tirocínio para separar o joio do trigo na mixórdia de informaçõe­s veiculada por meios digitais.

São diversos os motivos apontados para explicar esse germe perpetuado­r da desigualda­de social, mas convém destacar um: a ausência de estímulos adequados logo na primeira infância.

Eles começam em casa. Há muito se sabe que o grau de escolarida­de dos pais e até dos avós tem correlação com o desempenho e a progressão escolar de crianças e jovens. Fatores como exposição precoce a vocabulári­o variado e leitura em voz alta para os filhos podem ter efeito consideráv­el.

Sendo o nível socioeconô­mico no domicílio dos já nascidos uma variável que não se pode alterar, compete ao poder público contrabala­nçar as carências daí decorrente­s com serviços qualificad­os.

Os primeiros são creches e préescolas. Elas têm a função de prover os incentivos necessário­s e também orientar os pais sobre o que podem fazer no ambiente doméstico em prol do aprendizad­o.

Outros problemas e deficiênci­as vão se apresentar nos anos subsequent­es de ensino na rede pública, mas essa é a base sem a qual nada pode melhorar como deve.

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