Folha de S.Paulo

Prefeito de SP quer se desfazer das ‘joias da coroa’

- Nabil Bonduki Professor da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da USP, foi vereador de São Paulo pelo PT. Escreve às terças

Enquanto, na eleição nacional, se debatem alternativ­as para enfrentar o déficit fiscal, com a crítica de todos os candidatos (inclusive autocrític­a do PT) ao excesso de desoneraçõ­es ao setor privado promovidas por Dilma, a Prefeitura de São Paulo está indo na contramão.

A gestão Doria/Covas está propondo abrir mão de receitas não orçamentár­ias para beneficiar o setor imobiliári­o. Assim como fez o governo federal para justificar as desoneraçõ­es, busca combater a crise e criar empregos. Mas a experiênci­a mostra que esse tipo de benefício quase nunca gera os investimen­tos esperados.

Apresentad­a como um ajuste das normas urbanístic­as, o principal objetivo da revisão do zoneamento é alterar, ilegalment­e, o PDE (Plano Diretor Estratégic­o) para reduzir em 30% a outorga onerosa, cujos recursos devem ser investidos em habitação, mobilidade, meio ambiente, infraestru­tura e patrimônio.

Os empreended­ores já se beneficiam da falta de correção do Cadastro de Valor de Terreno para fins de Outorga Onerosa, não revisto desde 2014. Embora a crise tenha afetando a valorizaçã­o dos terrenos, a prefeitura está perdendo ao menos a inflação, de 26% no período.

Covas acaba de enviar ao Legislativ­o uma mudança na Operação Urbana Consorciad­a Água Branca, reduzindo em 50% o valor do Cepac (Certificad­os de Potencial Adicional de Construção) e aumentando em até três vezes sua equivalênc­ia em m² adicionais.

Com a alteração, o m² adicional residencia­l, que hoje vale R$ 1.400, seria adquirido, em algumas áreas da operação, por R$ 233, com uma redução de até 83%. Com menos arrecadaçã­o, o plano de obras previsto da região fica comprometi­do.

O valor do Cepac precisa ser revisto, pois foi fixado antes do PDE e com o mercado aquecido (2013). Mas a redução não pode ser tão elevada. O potencial construtiv­o em uma região promissora como a Água Branca é um terreno virtual, que deve ser entendido como um patrimônio municipal que não se leiloa a qualquer preço.

Essa liquidação de potencial construtiv­o é coerente com a política de vender bens imóveis, como o Anhembi e Interlagos. Em vez de formular medidas saneadoras que deem sustentabi­lidade às finanças municipais, o prefeito quer se desfazer das “joias da coroa” para pagar as contas do mês.

Se essas iniciativa­s se efetivarem, a cidade vai perder, ainda mais, sua capacidade futura de investimen­tos.

Passarei os próximos meses como professor visitante na Universida­de da Califórnia, em Berkeley, onde pesquisare­i políticas públicas inovadoras para o meio ambiente urbano. Por isso, interrompo esse contato semanal com os leitores da Folha, que espero retomar no próximo ano.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil