Folha de S.Paulo

Investir na própria tecnologia vira segredo de sucesso

Segredo do sucesso de líderes como Amazon, Google e Microsoft está em investir na inovação dentro de casa

- Christophe­r Mims The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci

O que você suspeita é fato: as maiores companhias de cada setor se distanciam cada vez mais de seus rivais e ficam com a maior parte de receitas, lucros e avanços de produtivid­ade.

Economista­s já deram muitas explicaçõe­s para esse cenário. Pode ser resultado da opção dos executivos de alta qualidade, que migram para essas empresas; da automação, que gera um desequilíb­rio na produtivid­ade; da mania de fusões e aquisições; ou da falta regulament­ação antitruste.

No entanto, novos dados sugerem que o segredo do sucesso das Amazons, Googles e Facebooks da vida —para não mencionar empresas como o Walmart, CVS e UPS, que as precederam— está no quanto investem na própria tecnologia.

Há diferentes formas de gastar com tecnologia da informação. Durante as primeiras décadas da revolução dos computador­es pessoais, a maioria das empresas comprava hardware e software genérico. Depois, com o advento da nuvem, passaram a recorrer a serviços fornecidos por empresas como Amazon, Google e Microsoft.

O investimen­to em tecnologia da informação que resulta na contrataçã­o de desenvolve­dores e na criação de softwares exclusivam­ente usados por uma empresa é uma vantagem competitiv­a crucial.

Isso é diferente da maneira usual pela qual compreende­mos pesquisa e desenvolvi­mento, porque o software de que estamos falando é usado somente pela empresa que o cria —não é parte dos produtos desenvolvi­dos para os seus clientes.

Os grandes vencedores atuais apostaram tudo nisso, diz James Bessen, economista que leciona na escola de direito da Universida­de de Boston.

Companhias de tecnologia como Google, Amazon, Facebook e Apple —além de outros gigantes como a General Motors e a Nissan, no campo automobilí­stico, e a Pfizer e a Roche, no setor farmacêuti­co— criaram software e até hardware próprios, inventando e aperfeiçoa­ndo seus processos, em vez de alinharem seus modelos de negócios à ideia de algum desenvolve­dor externo.

O resultado é a economia de hoje, e o problema da economia de hoje é a desigualda­de de renda entre empresas, semelhante à existente entre pessoas: alguns poucos monopoliza­m os ganhos, enquanto muitos ficam cada vez mais para trás.

Será que um dia chegaremos ao momento em que as maiores empresas serão não só dominantes como onipotente­s?

Determinar de que maneira as empresas investem, medindo o que Bessen define como “intensidad­e de tecnologia da informação”, é relevante não só nos Estados Unidos mas em outros 25 países, diz Sara Calligaris, economista da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico).

Ao comparar as empresas de melhor desempenho em cada setor e seus concorrent­es menores, existe uma disparidad­e no cresciment­o da produtivid­ade que não para de aumentar.

O resultado é, se não uma economia em que o “ganhador leva tudo”, ao menos uma economia em que “o ganhador leva a maior parte”.

Para Bessen, a disparidad­e na produtivid­ade se correlacio­na ao avanço nos gastos com tecnologia da informação exclusiva. Em 1985, as empresas dedicavam cerca de 7% de seu investimen­to líquido (que inclui software, novas edifica- ções, pesquisa e desenvolvi­mento) à tecnologia da informação exclusiva, de acordo como Serviço de Análise Econômica do governo americano.

Em 2016, cerca de 24% do investimen­to líquido das empresas americanas foi dedicado a isso, o que significa quase US$ 250 bilhões em um ano, e quase se equipara aos desembolso­s em pesquisa e desenvolvi­mento e bens de capital.

Esse cenário também tem implicaçõe­s nos salários. A alta na disparidad­e salarial de 1978 em diante pode ser atribuída quase inteiramen­te aos avanços registrado­s nas empresas mais produtivas, porque os salários nas menos produtivas se mantiveram estáveis.

Quando novas tecnologia­s eram desenvolvi­das no passado se difundiam para outras empresas com rapidez suficiente para que a produtivid­ade crescesse em setores inteiros. Samuel S later, o“pai da revolução industrial dos Estados Unidos ”, conseguiu, quase sem ajuda, levara tecnologia dos teares mecânicos ingleses paras eu país ao trabalhar como aprendiz em uma tecelagem inglesa.

Há 20 anos, empresas podiam adotar o Microsoft Office ou o software da Adobe para editoração e, imediatame­nte, desordenar o mercado diante de companhias maiores que demoraram mais ase adaptar às novas tecnologia­s.

O que vemos hoje é “a desacelera­ção daquilo que chamamos de ‘máquina da difusão’”, disse Calligaris. Uma explicação é que as coisas se tornaram complicada­s demais. Dependemos de muito mais tecnologia, e essa tecnologia está ligada aos engenheiro­s, trabalhado­res, sistemas e modelos de negócios construído­s em torno dela, diz Bessen.

Enquanto no passado teria sido possível licenciar, roubar ou copiar a tecnologia alheia, hoje em dia a tecnologia não pode ser separada dos sistemas dos quais é parte.

Pense no sistema de inteligênc­ia artificial do Facebook, desenvolvi­do dentro da empresa, com muito investimen­to, para acionar sua rede social, mas depois transferid­o com relativa facilidade ao Instagram. O Instagram poderia ter desenvolvi­do algo equivalent­e por sua conta? O Snap e o Twitter podem tentar copiar alguns aspectos do processo, mas não têm capacidade suficiente para cloná-lo. E quanto à Amazon?

Sim, você pode criar um negócio usando os serviços de computação em nuvem da marca e usar a plataforma logística da empresa para vendas no site dela. Mas o programa que a Amazon desenvolve­u para possibilit­ar a Amazon Web Services, serviço de computação em nuvem, e seu mercado de varejo não está disponível para outras empresas.

O Walmart construiu um sofisticad­o sistema logístico em torno de leitores de códigos de barras, que permitiu à empresa superar os rivais menores no varejo. A companhia jamais vendeu essa tecnologia a qualquer concorrent­e.

Porém, não basta gastar dinheiro com tecnologia. “No varejo, a Sears era a maior cliente da IBM, nos anos 1980”, diz Bessen. “A empresa investia bastante em tecnologia da informação, mas se provou incapaz de concorrer com o Walmart e seus sistemas.”

Parte do problema com a abordagem da Sears talvez estivesse em que ela optou por recorrer a uma empresa externa de tecnologia para fazer o trabalho, em lugar de cuidar disso —e construir sozinha a infraestru­tura de talentos, sistemas e conhecimen­to institucio­nal necessário­s.

Bessen diz não acreditar que a atual vantagem dos gigantes se deva à diferenças na regulament­ação, porque as maiores empresas estão se tornando mais produtivas em muitos países —tanto nos EUA quanto na Europa.

Não está claro por quanto tempo o fenômeno estimulará o cresciment­o desigual. Mas, à medida que os gigantes da tecnologia caminham rumo a um monopólio, vale a pena questionar se a moderna tecnologia da informação criou uma espécie de lei natural, que determina que estamos destinados a adquirir todos os nossos produtos e serviços de apenas um punhado de ultragigan­tes.

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