Folha de S.Paulo

Chacina farmacológ­ica

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Os números da crise dos opioides nos EUA não param de piorar. Estimativa­s preliminar­es recém-divulgadas indicaram a ocorrência de 72 mil mortes por overdose em 2017, um aumento de 6,6% em relação ao ano anterior. É mais do que o total de óbitos contabiliz­ados nos anos em que a Aids, acidentes de trânsito ou armas de fogo registrara­m seu recorde de vítimas.

A maioria das mortes foi provocada por opioides, categoria que inclui tanto drogas derivadas do ópio, como morfina e heroína, quanto substância­s sintéticas que imitam seus efeitos, como fentanil. Ressalte-se que estamos falando aqui apenas de overdoses, só uma das inúmeras complicaçõ­es de saúde provocadas pelo abuso de drogas.

Se há algo que marca a história dessa epidemia, são falhas de regulação. Tudo começou nos anos 90, quando médicos americanos, com base em poucos e mal interpreta­dos estudos, além de uma boa ajuda dos departamen­tos de marketing dos laboratóri­os, passaram a prescrever opioides até para dores agudas e de baixa intensidad­e.

A liberalida­de com que se receitavam oxicodona e hidrocodon­a, que logo se tornaram campeãs de vendas, acabou gerando milhões de dependente­s. E eles não demoraram a perceber que era mais fácil e mais barato obter seu suprimento com traficante­s do que com médicos.

A overdose, ao contrário do entorpecim­ento, não é um efeito desejado pelo usuário. Ela tem ocorrido em larga escala porque os traficante­s passaram cada vez mais a batizar a droga vendida nas ruas com substância­s sintéticas de alta potência, que são mais fáceis de produzir e transporta­r, mas que elevam muito o risco de intoxicaçã­o letal.

Paradoxalm­ente, agora rigores na regulação dificultam a adoção em larga escala de medidas que poderiam ajudar a conter a epidemia, como a criação de mais salas de injeção, onde a qualidade da droga poderia ser monitorada, ou a prescrição de terapias de substituiç­ão.

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