Voluntários de Jair Bolsonaro espalham sua ‘Bolsa Palavra’
Grupo explora periferias reais e virtuais para vender candidato a presidente
Olá, boa tarde, você teria um minutinho para ouvir a palavra de Bolsonaro?
Se a esquerda tem o Bolsa Família, é com a “Bolsa Palavra” que Carla Ferreira Ramos, pretende arrebatar um rebanho eleitoral para seu candidato, Jair Bolsonaro (PSL).
Carla, mais conhecida como Charlô, é tida como decana entre voluntários da campanha do deputado. A brincadeira de “espalhar a palavra” começa em Vila Valqueire, subúrbio carioca onde mora esta cabeleireira de 45 anos, e se espalha por rincões virtuais. “Como é que eu vou convencer a pessoa de que Bolsonaro é uma boa pessoa para presidente?” Dizer que ele é “ficha limpa”, de “fora do sistema” e “bom pai” ajuda.
Mas tiro e queda mesmo é lembrar que seu candidato é contra o desarmamento. “Esse [argumento] aí, então, é o que as pessoas mais absorvem. Dá para notar que a população quer voltar a ter arma em casa, até por causa do aumento da violência”, afirma.
Se há demanda pelo discurso bolsonarista, a oferta de pregadores de Jair Messias Bolsonaro, 63, também não é pouca, diz Rodrigo Amorim, 39. Vice de Flávio Bolsonaro em 2016, quando o primogênito de Jair concorreu a prefeito do Rio, ele ajuda a coor- denar um movimento marcado pela descentralização.
Quantos voluntários são, nem eles mesmo sabem precisar. Não há uma liderança central, não quando você está lidando com uma frota sobretudo online. Amorim desliza o dedo pela tela do celular: eis grupos de WhatsApp receptivos à “palavra” de Bolsonaro.
São dezenas deles, de nomes como Maçonaria Operativa, Eu Sou o Mito, Direita True e Opressores 1.0. Tática essencial para quem tem 1% dos blocos de 12 minutos e 30 segundos de propaganda eleitoral na TV e com previsão de gastar na campanha uma quantia irrisória perto da dos adversários —Bolsonaro estima um custo de R$ 1 milhão; PT, de R$ 50 milhões, e PSDB, R$ 43 milhões, por exemplo.
Um dos principais desafios do batalhão voluntário, segundo Amorim, é rechaçar um expediente em geral atribuído ao presidenciável e aliados. “A gente se defende muito das fake news. E a grande protagonista delas é a imprensa: nos tacham de fascista, homofóbico. Falam coisas do tipo, Bolsonaro não participará de debate nenhum, reduzirá direitos das mulher.”
Polêmicas de verve moral também abastecem o bolsonarismo. Na semana passada, o que tirava o sono do pessoal: uma recepção a calouros num campus da UFF (Universidade Federal Fluminense). Circulava pela internet a foto de um slide projetado em telão dali: “Dedo no cu e gritaria”.
“Eu me esforço para colocar meu filho na universidade pública, achando que assim ele vai ter qualificação boa, aí ele vai e se esbarra numa situação como essa”, reclama Charlô.
A cabeleireira da Vila Valqueire é uma das várias facetas desta turma eclética, que abrange do “doutor” ao “motoboy”. A Folha encontrou com seis voluntários num monumento militar do Rio —perto dali, uma banda do Exército tocava o Hino Nacional, uma “feliz coincidência” para eles.
“Sou a guerrilheira da direita”, disse esta filha de um petista que fundou o sindicato da UFRJ. Charlô conta que seu estranhamento com a ideologia de berço veio na leva dos protestos de 2013. “Começaram a nos xingar de fascista, de coxinha. Aí percebi que eu era de direita e não sabia.”
Um dos fatores de conversão à direita, afirma, foi ver uma militante seminua da Marcha das Vadias, de proposta feminista, esfregar uma imagem católica nas genitais durante a visita do papa Francisco ao Rio naquele ano.
A autônoma Bruna Lisboa, 29, foi criada numa comunidade de Campo Grande, a 50 km da zona sul carioca. Mostra uma foto sua, branca, com a avó, de pele preta. “Nossa família não tem o perfil [de recorrer a cotas], a gente acredita em meritocracia, que estudar faz diferença”, diz a integrante das comunidades Bolsogatas e Musas de Bolsonaro.
O advogado Fernando Fernandes, 32, é o acadêmico da turma. Com mestrado em filosofia política na UERJ, nas redes sociais se define como “liberal entre conservadores, conservador entre liberais e direita chucra para os demais”.
O círculo intelectual não pode ser um clubinho que só aceita a esquerda como sócia, diz Fernandes, ex-eleitor de Lula e ex-UJS (União da Juventude Socialista), do PC do B.
Hoje, a direita “sai de um conservadorismo do senso comum e passa a ter leitura política”. Livros como “O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota” (Olavo de Carvalho) seriam prova disso.
Candidato a deputado estadual no Rio, Amorim acha que a direita está enfim “saindo do armário”, após longo inverno esquerdista. Exemplo: quem disse que secretarias de Direitos Humanos são uma prerrogativa do polo de lá?
Ele já chefiou essa pasta em Nilópolis. E o fez “sem mimimi, sem embarcar em discursos de ódio, que são deles, não nossos”, afirma. “Não tinha campanha de passar mão em vagabundo.” Quando o disquedenúncia trazia algo sobre abuso policial, “olhava com muitos olhos antes de tomar atitude. Ninguém combate criminalidade jogando flor”.
E a Bolsa Palavra continua.