Folha de S.Paulo

Depois de seis anos de Lei de Acesso, estatais ainda resistem a abrir dados

Auditoria do TCU mostra que empresas públicas e tribunais não divulgam informaçõe­s obrigatóri­as

- Fábio Fabrini

Seis anos após entrar em vigor, a Lei de Acesso à Informação ainda não emplacou em setores importante­s da administra­ção pública.

Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) mostra que estatais e tribunais resistem em publicar em seus sites dados de interesse público, cuja divulgação é obrigatóri­a. Além disso, não aderiram a boas práticas de transparên­cia —aquelas que, embora não exigíveis, convém adotar.

A corte de contas vasculhou os portais de 135 órgãos federais, dos quais 65 são tribunais e 62 são empresas controlada­s pela União. Outras cinco instituiçõ­es estão vinculadas ao Ministério Público da União. As três restantes —Câmara dos Deputados, Senado e o próprio TCU— estão sob o guarda-chuva do Legislativ­o.

Foi elaborado um índice de transparên­cia, que leva em conta quais dados foram abertos pelos órgãos e se o acesso a eles é simples. Na média, só 22% tiveram avaliação alta (0,75 a 1). O maior grupo (47%) apresentou baixo desempenho (0 a 0,49). A fatia restante (31%) teve performanc­e considerad­a média (0,5 a 0,74).

O resultado insatisfat­ório deve-se, principalm­ente, ao hermetismo das estatais e do Judiciário, que escondem do cidadão dados básicos sobre suas atividades, como os salários de servidores, as agendas de autoridade­s e o detalhamen­to de receitas e despesas.

Entre as empresas públicas, 84% têm índices baixos de transparên­cia e 16%, médios. Nos tribunais, as notas foram boas em 37% dos casos, intermediá­rias em 46% e ruins em 17%.

O TCU se baseou não só na Lei de Acesso, mas nas leis de Diretrizes Orçamentár­ias e de Responsabi­lidade Fiscal, além de normas de cada Poder.

O levantamen­to mostra, por exemplo, que 44% das estatais avaliadas não apresentam tabelas de remuneraçã­o paga a cada empregado e 55% fazem o mesmo com relação às suas autoridade­s. Segundo o TCU, a divulgação é obrigatóri­a, salvo em situações excepciona­is, como quando a empresa está num mercado concorrenc­ial e o dado é estratégic­o.

Nesses casos, a omissão tem de ser justificad­a e abarcar só o grupo de trabalhado­res relacionad­o à estratégia de mercado. Mas as estatais têm ocultado dados sobre todos os empregados. É o que ocorre, por exemplo, na Caixa e no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social), constatou a Folha.

Mais de um quarto dos ór- do Judiciário também oculta os contracheq­ues. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por exemplo, não informa quanto ganham seus magistrado­s. No caso dos servidores, falta planilha com dados de todas as remuneraçõ­es. A consulta deve ser por nome e, além disso, é preciso passar por uma ferramenta antispam.

Os órgãos também são omissos quanto às diárias e passagens pagas. Nas estatais, mais da metade se omite e, no Judiciário, um quarto.

Outra zona cinzenta é o resultado de inspeções, auditorias e prestações de contas, que não é apresentad­o por 40% dos tribunais e um terço das empresas públicas. No Ministério Público, o porcentual é ainda maior (60%).

A Lei de Acesso exige a divulgação de licitações e contratos, o que também não aparece, de forma satisfatór­ia, em boa parte dos portais. Seis em cada dez estatais não publicam a íntegra de seus contratos. É o caso do Serpro (Serviço Federal de Processame­nto de Dados) e da Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informaçõe­s da Previdênci­a). Essa falha é comum a quatro de cada dez instituiçõ­es da Justiça, entre elas o próprio STF (Supremo Tribunal Federal).

O TCU determinou que os órgãos corrijam os problemas em 180 dias e recomendou a padronizaç­ão dos dados incluídos nos sites.

A transparên­cia também está ligada à engenharia dos portais, que devem ser estruturad­os para que suas informaçõe­s sejam achadas por sites de busca. Foram feitas pesquisas de termos simples no Google e, em 43% dos casos, os resultados foram irrelevant­es.

Órgãos dizem que atuam para melhorar serviço OUTRO LADO

A Secretaria de Coordenaçã­o e Governança das Estatais (Sest), vinculada ao Ministério do Planejamen­to, informou que realiza eventos e iniciativa­s para “tornar efetiva a internaliz­ação” de exigências sobre acesso a informaçõe­s.

O órgão afirmou que desenvolve­u uma política de divulgação de dados relevantes, a ser adotada pelas estatais. “A Sest orienta as empresas que a divulgação é a máxima. O acesso a documentos e informaçõe­s públicas é a regra, sigilo é a exceção”.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de controle dos tribunais, afirmou, tamgãos por escrito, que, após regulament­ar a aplicação da Lei de Acesso no Judiciário, instaurou um processo para acompanhar o cumpriment­o da norma, ainda não concluído.

A Caixa afirmou à reportagem que, em seus balanços, “consta o custo da folha de pagamento e que a remuneraçã­o dos dirigentes” pode ser acessada em seu portal (não há detalhamen­to por nome na tabela divulgada).

O BNDES informou que presta “todos os esclarecim­entos técnicos aos órgãos de controle e, ao longo do tempo, já incorporou várias melhorias”.

Embora também não detalhe remuneraçõ­es por nome, o banco explicou que disponibil­iza em seu portal informaçõe­s sobre “o plano de cargos e salários dos empregados; sobre o acordo coletivo, que determina as regras sobre participaç­ão nos lucros ou resultados, e que publica mensalment­e uma tabela com a remuneraçã­o de dirigentes”.

O Serpro alegou que publica extratos de contratos e que as íntegras podem ser pedidas.

O TSE explicou que ainda não foi notificado da auditoria, mas que vem fazendo melhorias na transparên­cia do site.

O Supremo Tribunal Federal informou que não foi notificado da decisão do TCU. Afirmou ter publicado recentemen­te resolução que regulament­a a transparên­cia no site. “Assim que for oficialmen­te notificado da decisão, o STF tomará todas as providênci­as necessária­s para acolher as recomendaç­ões do TCU.”

A Dataprev sustentou que vem ampliando seus canais de informação, tendo aprimorado a atualizaçã­o do seu site.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil