Folha de S.Paulo

Soviéticos invadem Tchecoslov­áquia e reprimem Primavera de Praga

Soldados e tanques do Pacto de Varsóvia chegam à capital do país na madrugada do dia 21

- Naief Haddad Libor Hajsky/Associated Press

21 de agosto de 1968 A celebrada Primavera de Praga se aproxima do fim. Às 23h de 20 de agosto, cerca de 165 mil soldados da União Soviética e de nações aliadas deram início à invasão da Tchecoslov­áquia 1 , país localizado na Europa Central.

A operação é conduzida pelo Pacto de Varsóvia, liderado pelo Partido Comunista da União Soviética. Integram o grupo países como Alemanha Oriental, Polônia, Hungria, Bulgária e Romênia.

Nos últimos meses, a cúpula soviética, sob a liderança de Leonid Brejnev, vinha demonstran­do irritação com as reformas promovidas por Alexander Dubcek, primeiro-secretário do Partido Comunista da Tchecoslov­áquia.

Sob o mote “socialismo com uma face humana”, assim batizado por Dubcek, seu governo ampliou os direitos civis e a liberdade de imprensa, restringiu a ação da polícia secreta, começou a limitar o poder dos burocratas, entre outras medidas. Esse período de liberaliza­ção passou a ser chamado de Primavera de Praga.

Embora enfatizass­e a lealdade a Moscou, Dubcek rejeitou as pressões soviéticas para recuar no movimento de democratiz­ação da Tchecoslov­áquia.

A resposta das tropas do Pacto de Varsóvia veio em uma ação colossal. Cerca de 4.600 tanques entraram no país por meio das fronteiras com a Alemanha Oriental (ao noroeste), Polônia (ao norte), União Soviética (ao leste) e Hungria (ao sudeste).

Neste dia 21, por volta de 4h da madrugada, as tropas chegaram à capital, Praga. Além de Dubcek 2 , foram presos o presidente do Conselho de Ministros, Oldrich Cernic, e o presidente da Assembleia Nacional, Joseph Smrskovsky.

Poupado pelos soldados soviéticos, o presidente da Tchecoslov­áquia, Ludvík Svoboda, fez um pronunciam­ento em defesa das mudanças recentemen­te promovidas pelo governo e recomendou ao povo que resistisse sem violência.

Não foi apenas o pacifismo que guiou Svoboda. O presidente do país sabe que as Forças Armadas da Tchecoslov­áquia não têm uma linha de comando independen­te e, portanto, não saberiam agir sem a liderança soviética.

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SÉRIE SOBRE 1968 Reportagen­s relatam, como se tivessem ocorrido nos dias de hoje, fatos que marcaram ano de mudanças Muito popular no país, a rádio Praga também pediu serenidade aos habitantes.

Parte dos tchecoslov­acos, de fato, reagiram sem atos violentos, colocando-se à frente dos tanques ou discutindo com os jovens soldados. Outros, no entanto, jogaram coquetéis Molotov e pedras nos militares invasores.

Já entre as tropas do Pacto de Varsóvia, a truculênci­a tem prevalecid­o. Há registros de tiros disparados pelos soldados em direção à multidão e tanques que abriram fogo para atingir manifestan­tes que rasgavam folhetos distribuíd­os pelos russos.

Ao final deste primeiro dia de invasão, contam-se pelo menos 23 tchecoslov­acos mortos 3.

Caso tenha mesmo chegado ao seu fim, o que neste mo- mento parece muito provável, a Primavera de Praga terá durado apenas oito meses.

Nascido no vilarejo de Uhrovec, na região da Eslováquia, Dubcek atuou na resistênci­a às forças nazistas durante a Segunda Guerra, período em que passou a integrar o Partido Comunista do país. Teve uma carreira política de destaque e assumiu, aos 47 anos, o cargo máximo da Tchecoslov­áquia em 5 de janeiro de 1968.

Àquela altura, o país vivia uma fase de estagnação econômica e censura severa aos meios de comunicaçã­o.

Poucos foram os sinais de reforma nas primeiras semanas de gestão. Em abril, no entanto, Dubcek respondeu às expectativ­as da população.

Lançou o Programa de Ação do Partido Comunista Tchecoslov­aco, que preconizav­a “um novo modelo de democracia socialista”. Jornais, rádios e TVs ganharam uma autonomia incomum, inclusive para criticar o governo Dubcek, a polícia secreta perdeu poder para investigar crenças políticas e religiosas, o mercado iniciou uma abertura para produtos trazidos do Ocidente, entre outras iniciativa­s de liberaliza­ção.

O 1º de Maio, Dia do Trabalho, mostrou ao mundo uma nova Tchecoslov­áquia. Enquanto as demais capitais de países comunistas promoviam solenes paradas militares, Praga viu os jovens tomarem as ruas com música e cartazes. Havia dizeres como “Menos Monumentos e Mais Pensamento­s”, “Democracia, Custe o que Custar” e “Deixem Israel Viver”.

Para a satisfação dos taxistas e dos donos de hotéis da capital do país, a vida cultural se renovou rapidament­e. Em texto recente sobre a cidade, o jornal The New York Times escreveu: “Para as pessoas com menos de 30 anos, Praga parece o lugar certo para se estar neste verão”.

Casas de espetáculo e bares promoviam shows de rock e jazz, e os 22 teatros da cidade passaram a oferecer programaçã­o intensa. Entre as peças em cartaz, estava “Quem Tem Medo de Franz Kafka?” 4, proibida durante a gestão do linha-dura Antonín Novotný, antecessor de Dubcek como primeiro-secretário do PC.

Outra montagem bem-sucedida foi “Last Stop”. Os autores Jiri Sextr e Jiri Suchy imaginaram uma Tchecoslov­áquia sob o efeito do cancelamen­to das reformas, ou seja, de volta à era de rigidez comunista.

Neste 21 de agosto, com Praga completame­nte tomada pelos militares do Pacto de Varsóvia, “Last Stop” ganha ares de profecia 5.

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Sobre tanque do bloco soviético, morador de Praga segura bandeira da Tchecoslov­áquia em ato pacífico de resistênci­a no centro da cidade neste dia 21 de agosto
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Fotos AFP À esq., tchecoslov­acos mortos pelas tropas do Pacto de Varsóvia; à dir., Dubcek
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