Filme retrata o extermínio da cultura ianomâmi
Documentário de Otavio Cury é construído sobre a crença indígena de que se apropriar da imagem alheia é proibido
Como Fotografei os Yanomami
Brasil, 2018. Direção: Otavio Cury. Livre. Em cartaz.
Durante os cinco primeiros minutos deste documentário de Otavio Cury vemos apenas pegadas na floresta. As marcas de pés na terra aparecem entremeadas com letreiros que reproduzem trechos do livro “A Queda do Céu - Palavras de um Xamã Yanomami”, do líder indígena Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert, que explicam como esse povo lida com a imagem.
A pegada é uma marca, uma imagem de alguém. Para os ianomâmis —que vivem na região em torno da fronteira com a Venezuela—, a imagem pertence à pessoa.
Acreditam que o uso da imagem por inimigos ou entidades malignas pode ter consequências terríveis ao indivíduo. A imagem, como uma fotografia ou um filme, eterniza uma lembrança da pessoa, algo considerado nocivo pelo sistema de crenças desses índios, em que os mortos são tabu e devem ser esquecidos. Tomar a imagem alheia é algo proibido nessa cultura.
Apesar de lançar essa questão logo de saída, o documentário a relativiza, afirmando que muitos ianomâmis já aceitam ter sua imagem registrada, e mostra um ritual filmado pelos próprios indígenas. Em todo caso, o filme se faz o tempo todo dentro dessa tensão.
A breve introdução sobre as pegadas, de contornos nitidamente etnográficos, dá lugar a um registro mais próximo da reportagem, em que profissionais de saúde de organismos governamentais atendem os índios em plena floresta. Diarreia, pneumonia e gripe são uma constante. Doenças trazidas pelos brancos que são combatidas com ineficiência pelos brancos.
A partir desse ponto e até quase o fim do filme mesclamse depoimentos de enfermeiros e técnicos de enfermagem —claramente pouco preparados para a tarefa— dando seus pontos de vista. Vários deles têm ideias estereotipadas e mal disfarçadas sobre a superioridade do homem “civilizado”. Alguns poucos manifestam admiração.
A cena final, da inauguração da primeira Unidade Básica de Saúde Indígena, em 2015, é o retrato acabado do extermínio da cultura ianomâmi. Uma mistura indigesta de discursos, hino nacional, pai-nosso, cantos e danças rituais. Vários celulares documentam a cena.
A visada crítica de Cury é clara e oportuna, mas poderia ir mais fundo.
Infelizmente nada é dito sobre a ameaça representada por garimpeiros —que trabalham ilegalmente no território ianomâmi, transmitem doenças mortais como a malária e poluem os rios com mercúrio— e pecuaristas — que invadem e desmatam as terras na fronteira leste.