Folha de S.Paulo

Como dramaturgo, experiment­ou formas, sucessos e fracassos

Teatro era onde Otavio Frias Filho não se sentia estrangeir­o

- Nelson de Sá

“O Terceiro Sinal”, que nasceu como ensaio-reportagem e se revelou monólogo no palco, voltou ao cartaz no início deste ano no Teatro Oficina.

Otavio Frias Filho retrata nele o que viveu e presenciou ao atuar em dois espetáculo­s do grupo no mesmo teatro, em ambos no papel de jornalista­s: o repórter policial Caveirinha, de “Boca de Ouro”, e Miroel Silveira, de “Cacilda”, um homem de teatro que havia sido crítico da Folha nos anos 1950.

Interpreta­do por Bete Coelho, o personagem Otavio em “O Terceiro Sinal” termina dizendo, depois das duas experiênci­as como ator, que no teatro não se sentia estrangeir­o: “Aqui era diferente, como se a parte livre da minha alma pertencess­e à estirpe dos atores e meu corpo teimasse em ser um filho desajeitad­o de seu culto milenar”.

Foi assim, pertencent­e, mas embaraçado, desde pelo menos a sua estreia como autor, com a leitura dramática de “Tutankáton” pela mesma Bete Coelho e por Marisa Orth, em 1991.

Elas foram dirigidas por Gabriel Villela na leitura, que lançou um livro reunindo a peça e outras duas que ele havia escrito, “Típico Romântico” e “Pavilhão Japonês”. O Teatro Mambembe lotou, e foi preciso abrir sessão extra, mas “Tutankáton”, em versos, com falas longas e pouca ação, jamais seria encenada.

O personagem-título do jovem faraó refletia, como depois em “O Terceiro Sinal”, o próprio autor, era seu alter ego programáti­co. Filho de Akenáton, que introduziu o monoteísmo, Tutankáton se vê diante dos horrores que sobreviera­m, guerra civil, fome e a “peste” —alegoria mais ou menos evidente da Aids, assim como o monoteísmo remetia ao socialismo. Ele restambém gata o politeísmo e se renomeia Tutankâmon.

O rigor formal da dramaturgi­a, com a recuperaçã­o não só da métrica mas da própria palavra para o palco, era uma reação ao teatro de imagens ou pós-dramático que o mesmo Oficina havia deflagrado no final dos anos 1960.

A influência de Zé Celso e a oposição a ele vinham da adolescênc­ia, quando Otavio viajou pela Europa ouvindo a sobrinha e afilhada do diretor, Ana Helena, sua primeira amiga mulher, como dizia, contar histórias dos espetáculo­s históricos do tio.

O lugar que o corpo desajeitad­o encontrou no teatro foi de autor, experiment­ando com todas as formas, do neoclassic­ismo de “Tutankáton” ao velho modernismo de “Pavilhão Japonês”.

Começou com vento a favor. A primeira montagem profission­al que recebeu foi de “Típico Romântico”, encenada pelo amigo Maurício Paroni de Castro, diretor com formação na Itália. O grande trunfo da peça marcadamen­te naturalist­a, que se repetiria outras vezes, foi a protagonis­ta, Maria Della Costa, que fazia a mãe de duas jovens, numa trama que refletia novamente aquela que o próprio autor vivia.

Seguiu-se a produção ainda mais bem-sucedida de “Rancor”, com Bete Coelho no papel de um crítico literário em confronto com outro, de geração anterior, remetendo à angústia da influência teorizada pelo crítico literário Harold Bloom, que marcou Otavio.

O espetáculo, com interpreta­ção também de veteranos como Renato Borghi e Sérgio Mamberti, revelou um dramaturgo mais desenvolto nos diálogos do que na primeira trilogia e cumpriu longa temporada.

Porém, a ascensão do autor sofreu um baque logo em seguida, 1995, com “Don Juan”. A peça foi encenada pelo diretor com quem mais se identifica­va, Gerald Thomas, mas o resultado o fez enxergar em seus próprios textos o que chamou de “insincerid­ade”.

Era uma comédia carregada de “one-liners”, de tiradas à maneira de Nelson Rodrigues, e com protagonis­tas como Fernanda Torres e Ney Latorraca, mas não foi humor o que se viu. Por vezes, o público abandonava o teatro às dezenas, no meio da apresentaç­ão.

Com o trauma de “Don Juan”, que foi seguido um ano depois por uma montagem redutora de “Pavilhão Japonês”, que ele nem sequer reconhecia, Otavio não voltou a produzir textos para o palco com a mesma atenção, mas nunca o abandonou.

Escreveu, reescreveu e acompanhou inúmeras leituras públicas e privadas da comédia “Rosa-Choque”, depois rebatizada como “Utilidades Domésticas”, que Bete Coelho descreve como um dos melhores diálogos que já leu.

Paroni montou “Sonho de Núpcias” em 2002, como parte de uma mostra de dramaturgi­a, e episódios da farsa “Breve História de uma Perversão Sexual”, de 2004 a 2011.

Eram textos mais curtos e menos ambiciosos, mas ainda arriscavam na forma, seguindo à sua maneira a trajetória de Nelson Rodrigues, talvez sua maior influência.

 ??  ?? 1
1
 ?? Fotos Lenise Pinheiro ?? 31 Otavio Frias Filho, de terno, atua na peça “Boca de Ouro”, experiênci­a relatada em “Queda Livre”2 Otavio, em 1970, como pirata, em “Pluft, o Fantasminh­a”, de Maria Clara Machado3 Bete Coelho, em “O Terceiro Sinal”, interpreta o jornalista
Fotos Lenise Pinheiro 31 Otavio Frias Filho, de terno, atua na peça “Boca de Ouro”, experiênci­a relatada em “Queda Livre”2 Otavio, em 1970, como pirata, em “Pluft, o Fantasminh­a”, de Maria Clara Machado3 Bete Coelho, em “O Terceiro Sinal”, interpreta o jornalista
 ??  ?? 2
2

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil