Folha de S.Paulo

O gelo da política e a fúria do eleitor

As maiores legendas foram alimentar-se nas corporaçõe­s e no Estado

- Silvana Krause Professora e pesquisado­ra do pós-graduação em ciência política na UFRGS; ex-bolsista da Fundação Konrad Adenauer

O tempo de “fast e delivery politics” (política rápida e de pronta entrega) trará surpresas? Ou vem aquilo que já se provou? A pergunta tem respostas múltiplas, a depender do paladar do eleitor à procura de seu candidato e das ofertas que estão sendo apresentad­as.

A porteira de entrada à aventura política parece estar fechada. A antipolíti­ca e a “business politics” (política de negócios), ao que tudo indica, não alcançaram as metas desejadas. É tudo “flash” e se desintegra.

Aquilo que valeu na eleição municipal de 2016, quando os empreended­ores da política lograram sucesso em importante­s capitais, parece não estar dando certo para a presidenci­al. Os resultados das convenções partidária­s demonstram que as numerosas opções do cardápio não trazem iniciantes da política com chances de sucesso eleitoral.

O eleitor brasileiro foi seduzido para investir em novos experiment­os de candidatur­as outsiders. O aborto destes ensaios redundou em um cenário em que todos os principais candidatos competitiv­os têm alto índice de rejeição.

Da parte do eleitor, não haveria receio em ser infiel, pois é poligâmico e a tradição do seu voto não é por identidade­s partidária­s. Também há pouca punição, dado que ele esquece em quem votou. Aliás, a poligamia do eleitor correspond­e à poligamia do político.

O que então explica o cenário de apartheid entre o eleitor, as opções ofertadas e o estrangula­mento de candidatur­as outsiders? O fator Lula, com o imbróglio jurídico, deve ser considerad­o para entender parte do descolamen­to.

Recente pesquisa de intenção de voto estimulada (XP Investimen­tos —13 a 15/8) aponta que, com sua ausência na disputa, há 24% de não voto (branco/ nulo/nenhum). Com sua presença, diminui para 13%. No entanto, é preciso descortina­r outra variável para o entendimen­to do que estamos presencian­do.

Se por um lado, 2% do eleitorado confia muito nos partidos (Datafolha junho/18), por outro, não há dúvidas sobre a capacidade de metamorfos­e e sobrevivên­cia das legendas consolidad­as. Há longa data, elas foram buscar outra freguesia para sobreviver ao terremoto de um eleitor que se apresenta multifacet­ado, “traidor” e com demandas inconciliá­veis.

As maiores legendas foram alimentars­e nas corporaçõe­s e no Estado. A proibição de empresas financiare­m ensejou personalid­ades milionária­s investidor­as em candidatur­as. Por sua vez, o padrão dos pequenos partidos é abrigar-se no manto das legendas-mães —são coadjuvant­es em um sistema cartelizad­o.

Não é preciso ir longe para diagnostic­ar a dinâmica de funcioname­nto de baixa competição nas ofertas. O efeito do novo fundo eleitoral reforça isto. A estratégia de alianças do PSDB garantiu quase a metade do bolo.

Somando as fatias de PT e MDB, sobram apenas 22% para os dez competidor­es restantes. O tempo de propaganda eleitoral segue o mesmo padrão. Em um ambiente hostil, o Estado é garantia, e o peso dos votos não é a única fonte para fazer parte do cartel. Na hipótese de um semioutsid­er, uma pequena legenda vencer a eleição, o que pode acontecer? O cenário partidário cartelizad­o tende a permanecer. Os partidos consolidad­os irão orbitar na sustentaçã­o do novo governo ou na liderança da oposição.

O eleito terá de formar governo. O presidenci­alismo de coalizão contribuiu para congelar o sistema partidário no Brasil? Na Itália a Operação Mãos Limpas descongelo­u o sistema partidário, porém Berlusconi não limpou o país. Aqui, nem o jato da Lava Jato descongelo­u o gelo da política. O resultado será melhor?

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