Folha de S.Paulo

Falta a certos setores da esquerda a humildade de pisar no barro, fica a dica

Para presidenci­ável do PSOL, Fernando Haddad (PT) precisa se conectar mais com o povo; petistas esquecem as ‘lições do golpe’ ao se aliar ao ‘centrão que é direitão’

- Anna Virginia Balloussie­r Karime Xavier/Folhapress

É “lamentável reproduzir as velhas práticas” e voltar a se aliar com o centrão, “que na verdade é um direitão”, diz à Folha o presidenci­ável Guilherme Boulos (PSOL). O recado é claro: fala do PT e de alianças regionais com aqueles que estiveram na proa do “golpe”: o impeachmen­t de Dilma Rousseff.

Com 1% em pesquisas, o líder do MTST reitera sua defesa pelo direito de Lula ser candidato, mas põe em xeque a capacidade de dialogar com o povo de Fernando Haddad, apontado para substituir o ex-presidente preso como candidato do PT. “Por vezes falta, sim, a certos setores da esquerda a humildade de pisar no barro, escutar mais e doutrinar menos. Fica a dica.”

Boulos perdeu 8 kg desde que entrou na corrida. O que manteve foram os costumeiro­s ataques à elite “que acha que Bolsa Família é coisa de comunista”. A polarizaçã­o no Brasil, diz, infla a partir de um povo que teme. A violência, o desemprego. Daí despontam “vigaristas que exploram o medo das pessoas”, agora um recado para Jair Bolsonaro (PSL). “O Brasil precisa não só de lideranças políticas para mudar, precisa de um psicanalis­ta.”

Como um governo seu teria governabil­idade com um discurso ameaçador para o status quo?

Se o mercado quer definir quem vai ser o presidente do Brasil, que o eleja no pregão da Bolsa de Valores e cancele a eleição. Enquanto houver um pingo de democracia aqui, é importante respeitar a vontade do povo. Vamos governar com a maioria do povo, com plebiscito­s, dialogando com Congresso. Democracia não pode ser só apertar um botão a cada quatro anos. Não pode ser como o Big Brother, em que as pessoas decidem quem vai e quem fica, mas não decidem o que acontece dentro da casa.

Mas como pretende dialogar com o Congresso com plataforma­s que dificilmen­te passariam nele?

Não acredito que o Congresso, ao menos com a composição atual, aprove pautas populares se não for pressionad­o pela sociedade. Veja bem, a reforma trabalhist­a foi aprovada por um Congresso com grande influência de empresário­s e por um monte de deputado e senador que tem campanha eleitoral financiada por eles. Num referendo, acha que seria aprovada? Claro que não.

O sr. fala em governar com o povo. Mas milhões foram às ruas por bandeiras distantes das suas. Como conciliar um país polarizado tratando rivais como “coxinhas”?

O Brasil tem uma elite econômica que pensa com a cabeça da Casa Grande, acha que o Bolsa Família é coisa de comunista. A forma de resolver a polarizaçã­o não é jogando as diferenças para baixo do tapete, é enfrentand­o a brutal desigualda­de que existe no país.

Mas como fazer isso sem alienar o outro lado? Os 20% de eleitores do Bolsonaro não são todos banqueiros. Temos que quebrar preconceit­os. O Brasil precisa não só de lideranças políticas para mudar, precisa de um psicanalis­ta. Eu, que me formei em psicanális­e, me coloco como candidato também para lidar com os medos que se produzem, e o preconceit­o produzido para lidar com esses medos: de violência, desemprego, do futuro. Quando tem um nível de inseguranç­a tão grande, vêm os vigaristas que exploram o medo das pessoas. Alguém que bate na mesa e fala, “vou te dar uma arma”. Discurso sedutor que inunda o debate público de preconceit­os.

O PSDB trabalha com um possível segundo turno entre direita e extrema-direita. A fragmentaç­ão da esquerda não pode ser um tiro no pé?

O PSDB trabalha sempre com cenários otimistas demais pra quem perdeu as quatro últimas eleições presidenci­ais. Não acredito que povo vai colocar dois Temer no segundo turno.

O PT teria sido eleito se tivesse descartado alianças com o centrão?

Creio que sim. Por isso, vamos pela primeira vez em 30 anos pôr o MDB na oposição. Não só. O centrão, na verdade um direitão, é a forma fisiológic­a de fazer política. Nunca elegeu presidente, mas está em todos os governos. Achamos lamentável reproduzir as velhas práticas e não entender o que aconteceu no país. [O PT] voltar a se aliar com Eunício Oliveira [MDB], como no Ceará... É não aprender com as lições do golpe.

Haddad assumir o lugar de Lula não é questão se, mas de quando. Concorda com postergar essa troca o quanto der?

A estratégia cabe ao PT. Seguimos com a defesa de Lula poder se candidatar.

Chegou-se a dizer, em eleições municipais, que Haddad tinha chance em São Paulo por ser “o mais tucano dos petistas”. Tenho respeito pelo Haddad —e diferenças também. Não vou falar de caracterís­ticas pessoais dele, mas de projetos.

E a capacidade dele de se conectar com o povo?

Há 17 anos, convivo com o povo mais pobre nas periferias. Não só nas ocupações do MTST, mas onde moro, no Campo Limpo, na periferia de São Paulo. Acho que por vezes falta, sim, a certos setores da esquerda a humildade de pisar no barro, escutar mais e doutrinar menos. Fica a dica.

“Quando gente como o Bolsonaro, com sua fábrica de fake news, pauta temas nacionais, é sintoma de um problema sério

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O candidato do PSOL à Presidênci­a, Guilherme Boulos, na sede do partido em São Paulo Guilherme Boulos, 36Mais jovem candidato a presidente do Brasil, Guilherme Boulos é formado em filosofia pela USP e também em psicanális­e. Integra a coordenaçã­o nacional do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto)

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