Folha de S.Paulo

Roberto Dias

- Roberto Dias roberto.dias@grupofolha.com.br

Sobre o melhor ofício do mundo, tinha a visão otimista mais realista

são paulo “O chefe ligou?” Quem comanda plantão de fim de semana na Folha conhece a pergunta inevitável das segundas-feiras. A resposta era quase sempre sim. Os assuntos ao telefone, esses eram imprevisív­eis.

Sob o noticiário usualmente mais tranquilo dos sábados e domingos e livre da correria administra­tiva dos dias de semana, Otavio Frias Filho podia escalar a conversa a qualquer ordem de grandeza de assunto.

De debater a conjuntura política a reclamar da imprecisão de alguma legenda de foto (“isso é detalhe”, dizia ele já emendando, “mas tudo é detalhe”). Podia observar que uma chamada ficou tempo demais na Home. Ou fazer uma pergunta de conhecimen­tos gerais no contexto noticioso —num misto de curiosidad­e pessoal e teste da compreensã­o que o interlocut­or tinha do acontecime­nto.

Ele sabia que o Projeto Folha jamais seria uma cultura só porque alguém assim imaginou. É preciso um trabalho de formiguinh­a, repetia.

Qualquer ideia, revolucion­ária ou fruto do mais comezinho bom senso, continuari­a sendo só uma ideia se não fosse martelada pelo exemplo e pela cobrança, numa corrente renovada continuame­nte de modo a chegar aos ouvidos dos mais novos.

Tampouco haveria cultura se o projeto em si não fosse atualizado, à luz do conhecimen­to acumulado internamen­te e da evolução tecnológic­a. São exemplos disso o Projeto Editorial do ano passado e o “Manual da Redação” deste ano, ambos frutos de discussões diárias, longas e espalhadas por meses, lideradas por ele.

Otavio estendia o jornalismo crítico à crítica do jornalismo. Em especial aquela resultante das ondas nas redes sociais —enfatizava a importânci­a de ter coragem de nadar contra tais correntes quando fosse o caso, sempre após reflexão própria.

Morto na terça (21), o diretor de Redação gostava de lembrar que o bom da profissão é que cada novo dia oferece a chance de fazer um jornal superior ao da véspera. É a visão otimista mais realista que pode existir sobre o melhor ofício do mundo.

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