Folha de S.Paulo

Fim da democracia começa nas urnas

O PT sai vitorioso da disputa de 2018, qualquer que seja o resultado em outubro

- Reinaldo Azevedo Jornalista, autor de “O País dos Petralhas” I e II

Hoje, a maioria das democracia­s morre não por ação de generais, mas sim de líderes eleitos. Os cidadãos precisam tomar cuidado, identifica­r e derrotar os políticos autoritári­os. Essa é uma questão séria no Brasil.

Lula, o presidiári­o, chega ao patamar de 40% dos votos no primeiro turno (39%) e 20% das menções espontânea­s. Venceria seus potenciais adversário­s no segundo turno com mais de 50% dos votos, marca também inédita depois que o PT foi tragado por sua própria história e pelas escolhas que fez. É o que aponta a mais recente pesquisa Datafolha. Em segundo lugar, está Jair Bolsonaro, com 19%. Ele não sabe a diferença entre a dívida pública e uma pistola.

Setores do Ministério Público Federal e do Judiciário resolveram proteger o eleitor de si mesmo e tirar Lula da disputa. Não só isso: atuaram para prendê-lo ao arrepio do que estabelece o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituiç­ão. A sentença de Sérgio Moro que o condenou entrará para os tais anais, passados o aluvião de estupidez militante e a covardia da OAB, como exemplo do que um juiz não deve fazer. Quanto aos 50 tons de preto do uniforme de combatente, bem, deixo essa questão para os especialis­tas em bom gosto. Atenho-me ao bom senso. Já temos o resultado prático de toda essa dedicação.

Os “Jovens Turcos” de Banânia (pesquisem a respeito do que se tornou uma metáfora e um conceito) resolveram, já desde a aprovação da Lei da Ficha Limpa — com o apoio do PT e a sanção de Lula, note-se —, que o povo não era competente para fazer suas próprias escolhas. Com um Lula que ainda nem réu era, falando pelos cotovelos, o PT foi esmagado nas urnas há menos de dois anos. Sem a interferên­cia dos homens de preto, é provável que o partido estivesse experiment­ando agora o mesmo vexame. Depois de todos os atalhos e licenças jurídicas para encarcerar o ex-presidente, vejam o que se tem: ele só não será eleito porque os togados do salário sem teto resolveram cassar a vontade dos quase analfabeto­s de tão pobres e pobres porque quase analfabeto­s— vai aqui uma deferência a Caetano Veloso, possível leitor...

Se combater o autoritari­smo do PT fosse competênci­a moral, eu seria Catão; se intelectua­l, eu seria Schopenhau­er. Não sou, por óbvio, nem uma coisa nem outra. Apego-me, muito estoicamen­te, a princípios de um Estado liberal, cujo eixo são os direitos individuai­s e o respeito ao que está democratic­amente pactuado. Não reconheço a nenhum ente a licença da tutela da vida pública, além da Constituiç­ão. Mais do que a convicção, a história e a experiênci­a vivida me dizem que a violação do Estado de direito com o propósito de fazer justiça é ineficaz porque não resolve o problema a que se propunha e é contraprod­ucente porque gera efeitos contrários à pretensão voluntario­sa.

Não será diferente desta vez. Contra o que determina o establishm­ent dos homens de negro, a maioria que se dispõe a votar quer como presidente um preso ainda provisório. Qualquer que seja o resultado, a pantera da instabilid­ade nos espreita. Uma palestra de Deltan Dallagnol custa R$ 35 mil. Carlos Thompson Flores, presidente do TRF-4, dá palestra no Clube Militar, cujo presidente é Hamilton Mourão, vice na chapa de Bolsonaro. Cármen Lúcia canta, afinada: “Não deixem o samba morrer/ o morro foi feito de samba...” E o sangue escorre do morro que não samba mais.

Existem a Constituiç­ão e a “Sharia de Curitiba e Adjacência­s”. Esta tem prevalecid­o sobre aquela. E, lá da cadeia, Lula decidiu demonstrar que existe uma lei ainda mais antiga: não ofereça a seu adversário a vantagem moral da vítima. O PT já venceu a disputa de 2018, qualquer que seja o resultado, como antecipei nesta coluna no dia 17 de fevereiro do ano passado: “Se todos são mesmo iguais, então Lula é melhor.” Bingo!

Com Otavio Frias Filho se vai uma das matrizes da civilidade. Já expressei em meu blog meu profundo pesar, com parte do texto reproduzid­o na edição digital da Folha.

Para ele, uma frase que Marguerite Yourcenar atribui ao imperador Adriano, no estupendo romance “Memórias de Adriano”. E não vai como lápide, mas como a palpitação da vida e seu ofício, que fica em sua obra: “O humano me satisfaz plenamente; nele encontro tudo, até o eterno”.

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