Folha de S.Paulo

Sem sombra de dúvida

- Bruno Boghossian

Sob ataque permanente de setores da política, o Judiciário deve ter cuidado para não alimentar com as próprias mãos o discurso daqueles que se esforçam para lançar suspeitas sobre sua atuação.

Na largada de uma eleição já caracteriz­ada por embates entre os dois campos, três protagonis­tas da disputa entraram na mira de juízes e promotores. O STF decidirá na próxima semana se abre processo contra Jair Bolsonaro por racismo. Fernando Haddad virou réu por improbidad­e. Geraldo Alckmin prestou depoimento em um inquérito de caixa dois.

Candidatos não são imunes a apurações e processos. Ao contrário: por serem alvos de amplo interesse público, essas ações devem ser expostas à luz do sol. Nenhum dos três casos, porém, deve ter um desfecho até outubro. Os presidenci­áveis irão às urnas apenas com as sombras.

Na quarta (22), Marco Aurélio Mello disse que o julgamento de Bolsonaro gera inseguranç­a. Referia-se à possibilid­ade de réus assumirem a Presidênci­a. “Fica a indagação: pode ser eleito e tomar posse?”

Inoportuna, a declaração é sinal de como a Justiça por vezes redirecion­a holofotes aos altos escalões da vida política. A questão citada pelo ministro foi levantada em 2016. Desde então, dormia nas gavetas do STF.

Já Haddad soube que se tornara réu em uma ação que o acusa de irregulari­dade na construção de ciclovias em 2015, dias depois de assumir o papel de presidenci­ável virtual.

Há nove dias, Alckmin foi chamado para depor em uma apuração sobre um repasse de R$ 10 milhões da Odebrecht a suas campanhas de 2010 e 2014. No dia seguinte, soube-se que os promotores pretendiam denunciar o tucano antes da eleição.

Nenhum candidato desperdiça­rá a oportunida­de de se dizer vítima de caçadas judiciais. Ações em sequência e palavras impróprias são um desserviço a apurações e processos sérios. Investigad­ores e magistrado­s devem agir de modo transparen­te para evitar que paire qualquer suspeita de contaminaç­ão da hora da Justiça pelo timing político.

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