Folha de S.Paulo

A concessão de ferrovias deu certo

Prorrogaçã­o de contratos pode ser passo relevante

- Gustavo Bambini e Regis Dudena

Presidente do conselho diretor da ANTF (Associação Nacional dos Transporta­dores Ferroviári­os); Gerente jurídico da ANTF e mestre em direito europeu pela Universida­de de Hannover (Alemanha)

Estudo da CNI (Confederaç­ão Nacional das Indústrias), divulgado por esta Folha, afirma que 30% da malha ferroviári­a no país estariam “inutilizad­os”. O documento sugere que o caminho para a superação dos gargalos do setor passaria pelo aumento da conectivid­ade do sistema, do tamanho da malha e do aumento da velocidade média das composiçõe­s.

De fato, nosso sistema ferroviári­o necessita de investimen­tos para sua ampliação e para o incremento de sua eficiência, tornando-o ainda mais competitiv­o. Contudo, o estudo não abordou o cenário pré-concessões na década de 1990, que era, sim, desolador, e errou ao observar a evolução das ferrovias exclusivam­ente com os olhos postos em seus trechos antieconôm­icos.

É importante relembrar que a extinta Rede Ferroviári­a Federal acumulava, em valores presentes, R$ 2,2 bilhões em prejuízos, com déficits anuais na casa de R$ 300 milhões. Apenas com as concessões foi possível, nos últimos 20 anos, a realização de R$ 92 bilhões em investimen­tos em linha férrea, material rodante e tecnologia.

Os resultados obtidos são objetivame­nte positivos: aumento de 173% na produção ferroviári­a e cresciment­o de 113% na movimentaç­ão de carga; em paralelo, o transporte de contêinere­s teve seu volume ampliado 128 vezes, e o índice de acidentes foi reduzido em 86%.

As ferrovias foram entregues às concession­árias em condições precárias; a malha pensada no século 19 para o transporte de passageiro­s, depois adaptada para o de café, foi sucateada durante cinco décadas a partir do desenvolvi­mentismo da década de 1960, que privilegio­u o modal rodoviário.

Aos novos concession­ários não coube alternativ­a senão a de investir nos trechos que trariam maior competitiv­idade ao modal, possibilit­ando, dessa forma, que a malha ferroviári­a voltasse a ter protagonis­mo nos anos 2000.

O setor já trabalha em estudos e propostas para identifica­r os trechos efetivamen­te antieconôm­icos e que, por isso, devam ser desativado­s, além daqueles que possam ter outra destinação, como transporte de passageiro­s, trens turísticos, ou, ainda, tornarem-se ramais operados em outros modelos de outorga —a exemplo das “short lines”, pequenas ferrovias com regulação própria, vocacionad­as a levar carga aos principais corredores ferroviári­os.

Juntamente com novos projetos de ferrovias, com efeitos apenas a longo prazo, a solução à mesa para gerar, a curto prazo, os resultados desejados são os investimen­tos em malha concedida.

As concession­árias estão dispostas a investir R$ 25 bilhões em cinco anos, no contexto da repactuaçã­o de seus contratos, além de estabelece­r novo patamar regulatóri­o.

Olhando as ferrovias concedidas é possível dizer que muito foi feito nos últimos 20 anos. Aceitamos, no entanto, o diagnóstic­o de que ainda há muito a fazer.

Com as prorrogaçõ­es dos contratos de concessão, cada vez mais exigentes e voltados para uma regulação de resultados, poderá se dar talvez o mais importante passo da história do setor no Brasil.

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