Folha de S.Paulo

Investigaç­ão sobre Cid Gomes vai para a Justiça do Ceará

Em delação, JBS disse que fez doação em troca de incentivos para fábricas

- Felipe Bächtold

Motivo da principal investigaç­ão em andamento contra o ex-governador cearense Cid Gomes (PDT), a concessão de benefícios públicos a empresas privadas no Ceará vem sendo criticada no Tribunal de Contas do Estado há pelo menos cinco anos. Cid é irmão e coordenado­r da campanha presidenci­al de Ciro Gomes.

No início deste mês, o STF decidiu enviar à primeira instância uma apuração sobre a suspeita de que Cid favoreceu a JBS com recursos estaduais em troca de financiame­nto de campanha.

Documentos do estado mostram volume anormal de repasses do estado para a Cascavel Couro, uma empresa do grupo, na época da campanha eleitoral de 2014, conforme relatou o delator Wesley Batista. Nesse programa, chamado Proapi, o governo concedia empréstimo­s calculados com base no valor que as empresas exportam.

Os irmãos Cid e Ciro Gomes não concorrera­m quatro anos atrás. A JBS, porém, fez ao menos 16 transferên­cias de doações oficiais para aliados deles no estado, como as campanhas do atual governador, o petista Camilo Santana, além de candidatos de PT e do Pros —partido dos irmãos naquele ano. Esses repasses somaram R$ 17,5 milhões.

Em agosto de 2014, em um só dia, o estado pagou à Cascavel Couro R$ 20,6 milhões, mais do que havia pago em todo o ano de 2013. No total, foram repassados R$ 97,5 milhões para a empresa ao longo daquela campanha.

Cid governou o estado de 2007 a 2014. Hoje, é candidato ao Senado pelo Ceará.

Em 2017, já na gestão de Camilo Santana, uma conselheir­a do TCE, Soraia Victor, detalhou em um voto benefícios pagos à fabricante de calçados Grendene ao mesmo em que esses empresário­s fizeram grandes doações eleitorais. “É um comportame­nto intrigante: no ano em que há eleições, os valores pagos sofrem um aumento consideráv­el, chegando a zerar em exercícios em que não se passou por processo eleitoral, como em 2015”, escreveu ela.

Na mais recente análise anual, o Tribunal de Contas recomendou mais avaliações para identifica­r “se o custo fiscal do incentivo está trazendo retorno para a sociedade”.

Para 2019, a renúncia de receita é estimada pelo governo estadual em R$ 1,1 bilhão. Neste ano, a previsão é que o estado arrecade com impostos e taxas R$ 12,7 bi.

Nas últimas décadas, os governador­es do Ceará se dedicaram a elaborar incentivos para atrair empresas ao estado, que acabou se tornando, com isso, um polo da indústria calçadista.

A Grendene, por exemplo, se fixou em Sobral, base eleitoral da família Gomes, em 1993, quando Ciro Gomes administra­va o estado pelo PSDB, e lá hoje tem sua principal fábrica.

No caso da JBS, a empresa já tinha acordo de incentivo desde a época em que a Cascavel Couro pertencia a outro dono. Na delação, Wesley afirma que o problema era destravar repasses de recursos. Ele diz ter negociado em 2014 com dois aliados de Cid, o deputado Antonio Balhmann (PDT), e Arialdo Pinho, que hoje ainda é secretário estadual.

“[Disseram:] Você paga os R$ 20 milhões [para a campanha] e o estado paga os R$ 110 milhões que você tem de crédito. Se você não paga, o estado não libera.”

Ele disse que, nessa combinação, foram pagos R$ 9,8 milhões por meio de notas frias a prestadore­s de serviço.

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