Folha de S.Paulo

Guerra de facções põe Angra em emergência

Disputa se acirra em cidade estratégic­a ao tráfico, às margens da Rio-Santos, e prefeitura pede ajuda à intervençã­o

- Júlia Barbon

Há uma tensão permanente entre [as facções criminosas] há anos. A guerra se acirrou por volta de 2014, quando os fuzis começaram a chegar em Angra, com traficante­s que migraram da capital e da Baixada Fluminense Bruno Gilaberte delegado

Conhecida por suas belas ilhas cercadas de águas verdejante­s, Angra dos Reis tem se destacado por outra fama nesta semana. A população da cidade litorânea do sul do Rio vive uma onda de medo com o acirrament­o do conflito entre duas facções criminosas.

O embate começou no fim de semana, quando o Comando Vermelho (CV) tomou o controle de uma das maiores favelas da cidade, a comunidade do Belém, das mãos do Terceiro Comando Puro (TCP).

Desde então, os moradores da região conviveram com três dias de intensos tiroteios, com gravações de disparos ininterrup­tos divulgadas nas redes sociais. A situação fez o prefeito Fernando Jordão (MDB) decretar estado de emergência na terça (21) e cobrar ajuda da intervençã­o federal.

A segurança pública do estado do Rio está sob responsabi­lidade da União desde fevereiro, quando o presidente Michel Temer (MDB) decidiu pela intervençã­o. Na prática, as polícias, os bombeiros e o sistema penitenciá­rio estão nas mãos do general Walter Souza Braga Netto, nomeado intervento­r.

Na segunda-feira (20), parte do bairro Belém ficou sem energia elétrica porque transforma­dores foram atingidos e não era possível entrar no local para fazer reparos. Mais de 1.600 crianças de duas escolas municipais na área também ficaram sem aulas naquele dia.

O estopim ocorreu quando dois ônibus foram incendiado­s, bloqueando a rodovia Rio-Santos (BR-101). Segundo o delegado Bruno Gilaberte, titular da delegacia de Angra, a polícia acredita que os veículos tenham sido queimados pelos próprios criminosos do Terceiro Comando.

“Eles estariam estimuland­o o medo na população para que comunidade­s da região sejam alvos de operações policiais. Assim, o CV teria que fugir de lá, e o Terceiro Comando se instalaria nesse vácuo”, diz ele, frisando que o conflito entre as duas facções não é um fenômeno recente.

“Há uma tensão permanente entre elas há anos”, afirma. “A guerra se acirrou por volta de 2014, quando os fuzis começaram a chegar em Angra, com traficante­s que migraram da capital e da Baixada Fluminense. Com o maior poder de guerra, a competição se acirrou.”

O Comando Vermelho vem tentando dominar a região para controlar a rota do tráfico de drogas. Angra —e especifica­mente o Belém, entre outras comunidade­s— fica em uma posição estratégic­a, nas margens da rodovia Rio-Santos.

A Polícia Rodoviária Federal, em parceria com outros órgãos de segurança, tem reforçado o policiamen­to na rodovia Presidente Dutra (BR116), o que pode ter contribuíd­o para uma maior circulação de criminosos na Rio-Santos.

Esse contexto contribuiu para a violência crescente no município nos últimos seis anos. A cidade viu seu índice de letalidade violenta disparar em 2018: foram 117 mortes de janeiro a julho, ante 63 no mesmo período do ano passado, quase o dobro.

O cresciment­o foi puxado pelos homicídios dolosos (que subiram de 55 para 86) e pelas mortes por intervençã­o poli- cial (que triplicara­m, de 8 para 30). O índice também inclui latrocínio­s e lesões corporais seguidas de morte, mas eles são uma parte ínfima.

Segundo a Polícia Militar, o 33º batalhão, de Angra, tem “reforçado o patrulhame­nto em alguns locais do município e atuado preventiva­mente diante dos confrontos entre criminosos nas comunidade­s do Belém e Bracuí”, outra favela que registrou conflitos.

Para o delegado Gilaberte, o medo foi potenciali­zado pelas redes sociais e notícias. Foram divulgados, por exemplo, dois roubos a estabeleci­mentos e uma invasão de vândalos a uma escola municipal que, segundo ele, são comuns e não têm relação com a guerra entre as facções.

Ele diz que ainda não há registro de mortes referen- tes ao conflito desta semana, mas há rumores não comprovado­s de que haveria corpos dentro dessas comunidade­s.

O tom que a prefeitura adotou ao decretar o estado de emergência na segurança pública da cidade também suscitou mais medo.

Em comunicado, o prefeito Jordão disse que a inseguranç­a poderia afetar os planos de evacuação das usinas nucleares Angra 1 e 2 em caso de acidente, já que a Rio-Santos é a única rota de fuga, “resultando como única solução o requerimen­to de desligamen­to das usinas”.

A fornecedor­a Eletrobras Eletronucl­ear, porém, informou que as usinas estão operando normalment­e e que tem plena capacidade de efetuar seu plano de emergência local. Em 35 anos, nunca houve um acidente que envolvesse evacuação de população.

No mesmo comunicado, o prefeito disse que “a situação está insustentá­vel” e criticou a atuação da intervençã­o federal: “A prefeitura está usando ferramenta­s para ajudar a polícia, mas precisamos da mão da intervençã­o federal, que não disse para o que veio em Angra dos Reis”.

Fernando Jordão participou nesta quarta (22) de reuniões com o Gabinete de Intervençã­o Federal, no Rio, e com o ministro Sergio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucio­nal), em Brasília.

Ficou definido que Angra receberá um blindado em setembro, e o gabinete da intervençã­o informou que tem um plano de segurança para a cidade e que uma ação deve ser realizada em Angra, Paraty e Mangaratib­a. Questionad­o, o órgão não deu mais detalhes.

 ?? Reprodução ?? Ônibus incendiado em Angra dos Reis (RJ)
Reprodução Ônibus incendiado em Angra dos Reis (RJ)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil