Folha de S.Paulo

Mais de 50% das paulistana­s já usaram pílula do dia seguinte

Na capital, 85% usam métodos contracept­ivos; laqueadura cai e se aproxima da taxa de vasectomia

- Marina Estarque Jardiel Carvalho/Folhapress

Pesquisa mostra que 50,9% das mulheres sexualment­e ativas de 15 a 44 anos na capital já fizeram uso do contracept­ivo de emergência. Associação de ginecologi­stas diz que o método não deve ser rotineiro.

Mais da metade das mulheres em idade fértil de São Paulo já usou pílula do dia seguinte, segundo pesquisa do Instituto de Saúde (órgão ligado ao governo do estado de São Paulo), em parceria com o Núcleo de Estudos em População da Unicamp.

Segundo o levantamen­to inédito, 50,9% das mulheres do município entre 15 e 44 anos, que já iniciaram a vida sexual, tinham tomado a contracepç­ão de emergência. Entre as mais jovens, de 20 a 29 anos, essa taxa ultrapassa 67%. A pesquisa entrevisto­u 3.896 mulheres na capital, de abril a dezembro de 2015.

“É um avanço, porque a pílula do dia seguinte está aí para isso, ela deve ser usada quando a contracepç­ão falha ou não existiu”, diz a coordenado­ra da pesquisa, a médica sanitarist­a do Instituto de Saúde e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, Tania Lago.

Como efeito de comparação, Lago cita um estudo feito com base na última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), em 2006. “Cerca de 23% das mulheres não unidas e 11% das unidas tinham tomado pílula do dia seguinte. O aumento foi incrível.”

O cresciment­o é positivo, diz o diretor da Associação de Obstetríci­a e Ginecologi­a do Estado de São Paulo, André Malavasi. “Significa que as mulheres estão tendo acesso à informação e ao método.”

Ele defende, entretanto, que a pílula do dia seguinte não deve ser usada de forma rotineira, não por oferecer risco à saúde, mas porque há outros métodos mais eficientes.

“Ela serve para o acidente. É como usar o seguro do carro. Se está usando várias vezes ao ano, é bom pensar em um método de longa duração, como DIU e implante subcutâneo.”

A ideia de que o método é “uma bomba de hormônio” é rechaçada por muitos médicos. A dose é alta, mas segura.

“Isso é uma bobagem, a dose correspond­e a cerca de um terço de uma cartela de anticoncep­cional com o mesmo hormônio”, diz o ginecologi­sta Jefferson Drezett, da Faculdade de Saúde Pública da USP.

A dentista Taynara Martins, 22, já precisou usar a contracepç­ão de emergência quatro vezes, após fazer sexo sem preservati­vo. Ela costumava tomar a pílula de uso contínuo, mas tinha muitas dores de cabeça. “Também esquecia muito de tomar, até três dias seguidos. Decidi parar”, conta.

A pílula de uso contínuo é o método mais comum entre as mulheres em idade fértil e sexualment­e ativas de São Paulo. Ela foi mencionada por 26,4% das entrevista­das.

Em seguida, aparece a camisinha masculina, com 18,6%, os hormonais injetáveis, com 10,8%, e a combinação de pílula e camisinha, 8,7%. A laqueadura e a vasectomia tiveram 8,1% e 6,2%, respectiva­mente.

O estudo segue a metodologi­a da PNDS, uma pesquisa nacional do Ministério da Saúde que ocorria a cada dez anos.

“Estávamos preparando a PNDS 2016, mas ela não pôde ser feita por falta de dinheiro. Resolvi fazer em SP para não ficar mais de dez anos sem dados de contracepç­ão”, diz Lago.

Segundo ela, o estudo atual mostra uma queda vertiginos­a da laqueadura, que por décadas foi o principal contracept­ivo feminino no país. Na PNDS de 2006, ela já havia sido ultrapassa­da pela pílula, mas 21,8% das brasileira­s em idade fértil estavam esteriliza­das.

“Pela primeira vez vemos a taxa de laqueadura bem próxima da vasectomia, algo inédito”, diz Lago. “Tipicament­e a mulher fazia laqueadura para encerrar a reprodução após vários filhos, o que se tornou mais raro.”

Além disso, a oferta no SUS também ficou mais restrita com a lei de 1997, que mudou os critérios para a laqueadura. A redução é considerad­a positiva por muitos especialis­tas, pois há uma alta taxa de arrependim­ento Maioria das paulistana­s em idade fertil já tomou pílula do dia seguinte ao menos uma vez na vida* após a cirurgia.

“A sociedade mudou, as pessoas se divorciam mais, e a laqueadura é permanente. É bom para a mulher poder usar um método reversível e engravidar de novo”, afirma Luis Guillermo Bahamondes, presidente do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiv­a de Campinas e professor de ginecologi­a da Unicamp.

A prevalênci­a de contracept­ivos na cidade, de 84,8%, é alta, assim como a verificada no país em 2006. “O Brasil está no grupo de países com alta prevalênci­a, como Canadá, EUA e muitos da Europa”, diz Lago.

Entretanto, das mulheres que tiveram filhos nos últimos cinco anos na capital, 52% disseram que ao menos um não foi planejado. “Na França, o uso de contracept­ivos é de quase 90%, e há 40% de gestações não planejadas. Só que elas não vão adiante porque o aborto é legalizado”, diz Lago.

O uso intermiten­te do contracept­ivo contribui para a taxa de gestações indesejada­s. Além disso, os anticoncep­cionais têm falhas, principalm­ente no chamado uso corrente. “Pílula é ótimo, mas precisa tomar todo dia. No uso corrente, com mulheres reais, a falha chega a 12%. Já a do DIU é de 0,5%. Faz muita diferença”, diz Bahamondes.

Com base na pesquisa e na taxa de falha de cada método, Lago estimou o número de mulheres que engravidar­iam por ano, com anticoncep­cionais, na capital: 70.847.

“Isso rompe com aquele preconceit­o de que a mulher que engravida sem querer é irresponsá­vel. Os métodos não são perfeitos”, diz Lago.

Ela se preocupa com o cresciment­o dos métodos hormonais. Na capital, 45,9% das mulheres usam pílula ou injetáveis. “Nós ainda não sabemos se tornar a anticoncep­ção basicament­e hormonal terá efeitos negativos na saúde.”

Bahamondes discorda: “Não faz mal tomar pílula por muitos anos. Tem benefícios”.

Outra preocupaçã­o de Lago é que 18% das mulheres entre 40 e 44 anos na capital usam pílula —os riscos de tromboembo­lismo aumentam depois dos 39 anos. “É contraindi­cado. São poucas, mas não deveria ter nenhuma”, diz ela.

Também por esse motivo, Lago e outros especialis­tas dizem que o governo deve investir no DIU, mais eficiente que a pílula. Apenas 2,5% das mulheres relataram ter DIU.

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A dentista Taynara Martins, 22, que já tomou pílula do dia seguinte quatro vezes
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