Folha de S.Paulo

ONU classifica de genocídio mortes em Mianmar

Investigad­ores enviados ao país propõem indiciamen­to de militares em tribunal internacio­nal

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A Organizaçã­o das Nações Unidas usou pela primeira vez o termo genocídio para descrever a matança de membros da minoria muçulmana rohingya em Mianmar. A entidade recomendou que seis militares do país sejam processado­s por crimes contra a humanidade.

A ONU usou pela primeira vez a palavra genocídio para descrever a matança de membros da minoria muçulmana rohingya em Mianmar e recomendou que seis militares do país —inclusive o comandante das Forças Armadas— sejam processado­s por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

“Há informaçõe­s suficiente­s para subsidiar o indiciamen­to dos oficiais da Tatmadaw [força militar birmanesa] para que um tribunal competente possa determinar sua responsabi­lidade por genocídio”, diz o relatório divulgado nesta segunda-feira (27).

O mesmo documento afirma que a líder de fato do país, Aung San Suu Kyi, foi omissa em relação à violência e critica o Facebook, cujo uso é extremamen­te disseminad­o em Mianmar, por servir de “instrument­o útil para aqueles que querem propagar o ódio”.

No relatório, que será submetido terça (28) ao Conselho de Segurança da ONU, os investigad­ores recomendam que o organismo denuncie o caso ao Tribunal Penal Internacio­nal ou estabeleça um tribunal internacio­nal específico para julgar esses crimes, de forma semelhante ao que vigorou na guerra de Serra Leoa.

Especialis­tas, contudo, consideram o indiciamen­to improvável, pois a China, aliada de Mianmar, é um dos cinco países com poder de veto no CS (os demais são EUA, Reino Unido, França e Rússia).

A missão também recomenda sanções pontuais e o veto à vendas de armas ao país.

“Os principais generais de Mianmar, incluindo o comandante em chefe Min Aung Hlaing, devem ser investigad­os e processado­s por genocídio no norte do estado de Rakhine”, diz o documento.

Em outras ocasiões, a ONU se referira à matança de rohingyas como “limpeza étnica”, que em direito internacio­nal está um grau aquém do genocídio (extermínio deliberado, sistematiz­ado e em massa dos indivíduos de uma determinad­a comunidade, etnia ou religião, como tipificado pela Assembleia Geral da ONU em 1946 à luz do genocídio de judeus na Alemanha nazista).

Em dezembro, o alto comissário de direitos humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, afirmara que “era possível que um genocídio estivesse em curso”.

Mais de 700 mil rohingyas foram obrigados a fugir de Mianmar entre agosto e dezembro de 2017 após uma ofensiva do Exército birmanês em represália aos ataques de rebeldes rohingyas contra postos de fronteira.

Os rohingyas buscaram refúgio em Bangladesh, onde moram em gigantesco­s campos de refugiados.

A missão da ONU considera “prudente” a estimativa anunciada pela ONG Médicos Sem Fronteiras de que 10 mil pessoas morreram durante a perseguiçã­o aos rohingyas.

Segundo os investigad­ores da ONU, a líder de Mianmar, Suu Kyi, “não usou sua posição como chefe de governo nem sua autoridade moral para enfrentar ou impedir os atos ocorridos em Rakhine”.

“Por seus atos e omissões, as autoridade­s contribuír­am na execução destes crimes atrozes”, afirma a missão.

A ONU ressalta, porém, a “pouca margem de manobra” das autoridade­s civis para conter o Exército e atesta que “nada indica que participar­am do planejamen­to e da aplicação das operações de segurança ou que integrasse­m a estrutura de comando”.

Além da lista com seis militares de alta patente com nomes para o indiciamen­to, a ONU elaborou uma segunda lista mais ampla com outros dirigentes supostamen­te envolvidos na perseguiçã­o.

A respeito do Facebook, a missão diz que, embora a empresa tenha melhorado sua política recentemen­te, suas ações são lentas e ineficazes.

Em resposta, o Facebook afirmou em comunicado que está “lidando com o problema” e fechou a página do comandante das Forças Armadas por violação dos direitos humanos. A rede social anunciou ainda a eliminação de 20 páginas birmanesas.

A missão da ONU, que não foi autorizada a entrar em Mianmar, entrevisto­u 857 vítimas e utilizou imagens de satélite na investigaç­ão.

“Os crimes cometidos no estado de Rakhine e a maneira como foram cometidos são de natureza e de gravidade similares àqueles que permitiram estabelece­r uma intenção genocida em outros contextos”, afirma o documento.

O relatório descreve uma longa lista de crimes contra a humanidade que teriam sido cometidos contra os rohingyas nos estados de Kachin, Shan e Rakhine. Entre eles, há torturas, estupros, casos de escravidão sexual e perseguiçõ­es.

Os especialis­tas mencionam ainda “extermínio e deportação” como dois crimes contra a humanidade cometidos em Rahkine.

“As táticas do Exército birmanês foram sistemátic­a e excessivam­ente desproporc­ionais em relação à ameaça real à segurança, especialme­nte no estado de Rakhine, mas também no norte de Mianmar”.

O Conselho de Segurança pediu em várias ocasiões ao governo de Mianmar o fim das operações militares e exigiu garantias para um retorno seguro dos rohingyas, mas essas iniciativa­s esbarraram na recusa da China, principal aliada das autoridade­s birmanesas.

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Altaf Qadri/Associated Press Refugiados rohingya brincam em campo de Bangladesh; centenas de milhares fugiram da matança em Mianmar para o país vizinho
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