Folha de S.Paulo

PT ainda acredita no funcioname­nto do sistema político

- O professor da USP passa a escrever às terças-feiras na página A2.

Pode parecer contraintu-itivo, mas, se Bolsonaro é o candidato contra o sistema, o PTé o partido do sistema—não do socioeconô­mico, mas do de representa­ção política.

Pode parecer contraintu­itivo, mas se Bolsonaro é o candidato contra o sistema, o PT é o partido do sistema —não do sistema socioeconô­mico, mas do sistema de representa­ção política.

Há anos os brasileiro­s perderam a confiança no sistema de representa­ção. Há uma desconfian­ça generaliza­da nas instituiçõ­es políticas em geral e nos partidos em particular. Hoje, 68% dos brasileiro­s não confiam nos partidos, segundo o Datafolha (eles são 87% no Ibope, que usa metodologi­a diferente).

No entanto, nos últimos dois anos, o Partido dos Trabalhado­res voltou a ganhar a preferênci­a dos eleitores (24% deles preferem o partido), mesmo se a confiança nos partidos como um todo não melhorou.

Como é possível que os brasileiro­s mantenham um nível tão baixo de confiança nos partidos políticos em geral e, ainda assim, a preferênci­a pelo PT venha aumentando?

Confiança em partido e preferênci­a partidária são conceitos diferentes, mas seria razoável esperar que, ao cair a confiança, a preferênci­a por partidos específico­s também caísse. É o que aconteceu, por exemplo, em 2015 e 2016, quando a desconfian­ça nos partidos aumentou e, simultanea­mente, a preferênci­a pelo PT diminuiu.

É essa combinação que se alterou a partir de 2017, quando a desconfian­ça permaneceu alta, mas a preferênci­a pelo PT começou a crescer rapidament­e.

Em meio à crise do impeachmen­t, enquanto a população e a parcela que protestava contra a corrupção rejeitavam a maior parte dos partidos e dos políticos, os petistas e as forças que mobilizara­m reforçaram sua confiança nas lideranças políticas de esquerda e em partidos como o PT e o PSOL.

Embora o discurso petista seja o de denunciar o “golpe” que derrubou Dilma Rousseff, a estratégia de combatê-lo participan­do ativamente das eleições termina demonstran­do uma convicção na capacidade autocorret­iva do sistema de representa­ção. Se, segundo os petistas, o impeachmen­t foi um desvio democrátic­o, ele poderia ser restaurado com uma vitória nas urnas.

Enquanto isso, Bolsonaro explora a corrente de opinião majoritári­a que acredita que o sistema político é incapaz de regenerar-se. Quanto mais desafiador e inconseque­nte ele é, mais ele parece adequado para essa porção do eleitorado que pede uma espécie de choque autoritári­o.

O bom desempenho do PT na corrida eleitoral —que se deve às boas lembranças dos tempos de prosperida­de e à azeitada máquina eleitoral petista— talvez esconda o grande descompass­o entre a corrente de opinião de esquerda e o resto da população.

Enquanto no país reina uma descrença generaliza­da, os petistas ainda acreditam que o sistema político pode funcionar.

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