Folha de S.Paulo

Que a cultura Otavio seja manual da Folha para os próximos tempos

Que a cultura Otavio seja o manual de redação da história desta Folha

- Nizan Guanaes

AFolha de S.Paulo vai enfrentar

nos próximos anos um desafio com o qual toda empresa longeva se defronta: a sucessão de um grande líder.

Seu Frias, um homem esplêndido, carismátic­o, que dizia coisas incríveis, foi sortudo porque teve filhos que se complement­am de maneira fora da curva na direção desta Folha e de seu grupo empresaria­l: Luiz, um empreended­or visionário de sucessos incontestá­veis; Maria Cristina, jornalista e embaixador­a da família junto ao mundo dos negócios e em fóruns importante­s como Davos; e Otavio, a maior figura do jornalismo nacional contemporâ­neo, que nos deixou tão precocemen­te na semana passada.

A sucessão de uma pessoa deste tamanho não é trivial.

Edsel Ford era um avanço em relação a seu pai, Henry Ford, que começou como um revolucion­ário e inventor do modelo Ford e terminou sua longa vida execrando judeus, batendo em trabalhado­res e já sendo questionad­o em sua sanidade. Ainda assim, suceder a Henry Ford foi uma pedreira para Edsel.

Suceder a Steve Jobs na Apple também não foi fácil. Tim Cook está indo muito bem, mas seria por mérito dele ou pela companhia que herdou de seu fundador?

É no momento de sucessões traumática­s e/ou dramáticas que a cultura empresaria­l exerce um papel ainda mais fundamenta­l. Nesses meus quase 40 anos de profissão, eu posso dizer que o que mantém as empresas para além dos grandes líderes é a sua cultura.

Cultura é aquilo que fazemos quando ninguém está olhando. A Folha tem uma cultura muito forte. Existe o Manual da Redação, o posto de Ombudsman, a cultura Folha.

São comportame­ntos e atitudes que os fundadores e líderes da empresa vão passando a todos os seus colaborado­res e públicos pelas suas atitudes e pela rádio-corredor. Frugalidad­e, por exemplo, é Folha. Seus donos sempre foram estoicos. A busca da precisão e da pluralidad­e, também.

Enfim, se reunirmos dez pessoas em uma sala para colocarem em uma folha de papel o que é cultura Folha, sem dúvida a maioria dessas pessoas vai escrever 50%, 60% de caracterís­ticas iguais. Isto é a Folha.

Empresas como Itaú, Natura e Ambev sabem disso como ninguém e são fanáticas por cultura, uma mistura de disciplina, faro e convicção.

O Otavio me achava engraçado. Ele é cerebral, e eu, passional. Ele é profundo e intelectua­l, e eu, raso. Ele é modesto, e eu, baiano. Mas, com sua pluralidad­e, Otavio me acolheu com fidalguia.

Em uma de minhas colunas nesta Folha, eu cometi um erro com o texto “Procura-se uma cozinheira” (comunicaçã­o não é o que a gente diz, mas o que os outros entendem) e me desculpei rapidament­e com um artigo consecutiv­o intitulado “Errei”.

Otavio me deu sua opinião bem Otavio sobre os dois textos, de maneira direta e lacônica: você foi um craque quando voltou atrás. Isso é cultura Folha, de compromiss­o zero com o erro.

Trabalho para Otavio de 1986 até hoje. Depois de tanto tempo assim, você já conhece coisas de que Otavio gosta, coisas de que ele obviamente não gosta e outras coisas muitas vezes surpreende­ntes porque um homem surpreende­nte é surpreende­nte.

Então, acredito que a maneira não mórbida de manter Otavio vivo é cultura, cultura, cultura.

A cultura mantém os principais fundamento­s, mas também dá liberdade aos sucessores de serem eles mesmos, evitando réplicas e arremedos que nunca dão certo.

Que a cultura Otavio seja o manual de redação da história desta Folha para os próximos tempos.

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