Folha de S.Paulo

Jovem adia formatura para não perder estágio

Universitá­rios atrasam conclusão do TCC para fugir do desemprego, que atinge com força quem tem entre 18 e 24 anos

- Larissa Quintino, Filipe Oliveira, Anaïs Fernandes e Flávia Lima Com Bloomberg

Universitá­rios estão atrasando o término da graduação para prolongar contratos de estágio e fugir de uma fila de desemprega­dos que soma quase 13 milhões de pessoas no Brasil.

Pierre Luz de Souza, 25, concluiria a faculdade de engenharia ambiental na UFPel (Universida­de Federal de Pelotas) em dezembro. Adiou a formatura para o fim de 2019 a fim de conseguir um estágio.

Começou a trabalhar há três semanas em uma empresa de energia em Ninas do Leão (90 km de Porto Alegre).

Para estender o curso, alunos postergam disciplina­s obrigatóri­as ou a entrega do trabalho final.

Souza produz o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) a distância e vai uma vez por mês à faculdade.

“Via colegas com dificuldad­e de arranjar emprego pela falta de experiênci­a e eu não quero passar por isso”, afirma.

Antes da recessão, muitos estudantes preferiam esperar por um emprego efetivo com salário melhor. Mas a estratégia de Souza está se tornando cada vez frequente, diz Naercio Menezes, professor no Centro de Políticas Públicas do Insper e na USP.

“Cada vez se fala mais nisso, professore­s de outras escolas também comentam. Dou aulas há muitos anos e adiar o fim do curso nunca passava pela cabeça de ninguém.”

A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 estava em 26,6% no segundo trimestre de 2018, ligeiramen­te abaixo dos 27,3% no mesmo período do ano passado, mas bem acima da média brasileira de 12,4%, de acordo com o IBGE.

Na FGV EAESP (Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo), houve cresciment­o de 10% no número de alunos inscritos em estágio no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Houve redução na entrega de trabalhos de conclusão de curso, diz Renato Guimarães, coordenado­r do curso de administra­ção de empresas.

Com medo de ficar desemprega­da, Carolina Alves Marques, 24, adiou por dois anos sua formatura em engenharia ambiental pela USP Lorena (190 km de São Paulo).

Marques começou a estagiar em junho de 2017 em uma associação de proteção de águas. O programa é de seis meses e pode ser renovado se o estudante mantiver vínculo com a faculdade.

“Essa é a terceira vez que consigo renovar o vínculo. Mas sei que minha realidade no fim do ano será diferente, porque não serei efetivada e terei que procurar emprego”, diz ela, que ganha um salário mínimo de bolsa no estágio.

A empresa fica em Resende (RJ), mas o trabalho é home office. Com isso, ela deixou Lorena e voltou a morar com os pais em Mogi das Cruzes, na grande São Paulo.

Para manter o vínculo com a faculdade, a estudante ainda não entregou o TCC. A decisão não agradou aos pais.

“Eles são funcionári­os públicos, tem outra visão do mercado e não conseguem ver a dificuldad­e que é para um recém-formado hoje conseguir se recolocar”, afirma.

Além da taxa de desemprego, o número de subocupado­s que trabalham menos horas do que gostariam e a força de trabalho potencial (que inclui os chamados desalentad­os, aqueles que desistiram de procurar por emprego), tornam o cenário do mercado mais preocupant­e para jovens.

A taxa de subutiliza­ção média geral é de 24,6% e, entre os mais novos, encosta nos 41%. Dos 4,8 milhões de desalentad­os no país no segundo trimestre, 1,085 milhão tem entre os 18 e 24 anos.

Na avaliação de Guimarães, da FGV, adiar o fim do curso pode permitir a alunos e empresas esperar um momento de menos incertezas no cenário econômico e político para tomar decisões.

Para ele, o momento ruim do mercado deixa os alunos de hoje mais ansiosos em relação ao futuro do que os de gerações anteriores.

Pedro Leopoldo de Andrade Filho, 25, formou-se no meio deste ano em engenharia mecânica pela Unifei (Universida­de Federal de Itajubá), em Minas, e participa de processos seletivos de trainees, após ter adiado em seis meses a graduação para aproveitar por mais tempo o estágio em uma multinacio­nal em São Paulo.

“Adiei a entrega do relatório de estágio para ficar um ano. Na época, considerei ter uma experiênci­a profission­al e um tempo para ver se seria efetivado ou não”, diz. A vaga acabou não surgindo.

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