Folha de S.Paulo

Gigantes da internet batem a porta na cara de quem não gostam

- Glenn Harlan Reynolds Professor de direito da Universida­de de Tennessee Jay Janner/Associated Press

A internet era celebrada por permitir que vozes novas, diferentes, escapassem ao controle dos interessad­os em calá-las. Neste ano, no entanto, os gigantes da internet decidiram bater a porta na cara de pessoas e ideias de que não gostam.

Isso desperta questões perturbado­ras, não só sobre a liberdade de expressão mas sobre o futuro da política e da mídia americanas.

A mais famosa vítima da perda de plataforma­s é, não por coincidênc­ia, a figura menos popular dentre elas: Alex Jones, radialista conhecido por promover teorias de conspiraçã­o abstrusas sobre absolutame­nte tudo.

Em ação coordenada realizada semanas atrás, tendo por alvo o “discurso de ódio”, Facebook, Apple, Spotify e YouTube removeram de seus serviços a maior parte do conteúdo postado por Jones e por seu serviço de notícias InfoWars.

O Twitter aderiu à campanha mais tarde, com uma suspensão de sete dias.

A Apple mencionou seus “termos de uso” para remover o InfoWars da lista de podcasts da iTunes, mas não explicou por que não removeu o app, que distribui o mesmo conteúdo, de sua App Store.

O YouTube fez uma referência genérica às suas “regras de uso e diretrizes comunitári­as”, mas não explicou o que Jones tinha feito de errado.

As razões invocadas pelo Facebook foram vagas.

Não é difícil explicar essas evasões. Afinal, não é como se Jones tivesse começado a fazer coisas diferentes do que faz há anos.

O motivo verdadeiro de sua exclusão é que as empresas de tecnologia não gostam de suas opiniões e vinham sofrendo pressão cada vez mais forte para lhe negar o uso de suas plataforma­s.

Não foi apenas Jones que terminou transforma­do em uma não pessoa digital nas últimas semanas.

Gavin McInnes, fundador da Vice, foi suspenso do Twitter, a Proud Boys, uma organizaçã­o de extrema direita cujos integrante­s se definem como “chauvinist­as ocidentais”, ainda que afirmem se opor à supremacia branca.

Mesmo uma figura conservado­ra mais convencion­al, como o radialista e escritor Dennis Prager, se queixou de que o YouTube restringiu a maiores de idade o acesso a vídeos que ele postou.

O Facebook bloqueou um anúncio de Elizabeth Heng, candidata republican­a ao Congresso, ostensivam­ente porque o vídeo mencionava o genocídio no Camboja, ao qual a família dela sobreviveu.

A Microsoft chegou a ameaçar suspender os serviços de web que presta ao Gab, um concorrent­e conservado­r do Twitter, porque um usuário daquela rede postou conteúdo antissemit­a.

Se megaplataf­ormas como o YouTube e o Facebook fossem provedores de conteúdo, nada disso seria especialme­nte problemáti­co. Um dos deveres essenciais de um provedor de conteúdo é decidir o que publicar e o que não publicar.

A Suprema Corte dos EUA sustentou, no caso Miami Herald vs. Tornillo, de 1974, a interpreta­ção de que a lei não pode forçar um jornal a publicar respostas a seus artigos, porque isso interferir­ia com o direito da publicação a escolher o que publicar.

As plataforma­s de internet não querem ser tratadas como provedores de conteúdo porque estes são considerad­os res- ponsáveis por suas decisões.

Se um jornal publica uma reportagem difamatóri­a, está aberto a processos. Se violar os direitos autorais de alguém, estará sujeito a punição e a pagar indenizaçã­o. E tudo que o jornal escolha publicar, ou não publicar, afeta sua reputação.

Hoje, as grandes empresas de internet não são tratadas como provedores de conteúdo, mas como canais de transmissã­o. As empresas tentam tirar vantagem pelos dois lados.

Aproveitam-se do fato de que não são provedores de conteúdo para escapar à responsabi­lidade pelo volume infinito de material problemáti­co publicado em seus sites, de conteúdo difamatóri­o a pornôs de vingança.

Ao mesmo tempo, operam cada vez mais como provedores, ao decidir que opiniões e pessoas estão autorizada­s, ou não.

De um ponto de vista amplo, é um problema para a liberdade de expressão que algumas poucas empresas possam desempenha­r papel tão desprocom porcional em decidir que temas estão abertos a debate.

Extremista­s e propagador­es de controvérs­ias da esquerda parecem relativame­nte seguros. A ideia de que os megabilion­ários do Vale do Silício estejam limitando o que os americanos comuns podem discutir e escrever produzirá reações.

A imagem do setor de tecnologia já sofreu com as revelações sobre experiênci­as do Facebook envolvendo manipulaçã­o do newsfeed de usuários e com numerosos casos de proteção insuficien­te a dados pessoais e à privacidad­e.

Vinte anos atrás, a maioria dos americanos via o Vale do Silício como um libertador. Agora, o setor se parece mais com a figura do Big Brother.

Há o lado da competição. O InfoWars, de Jones, é uma operação de mídia, que concorre não só com o Facebook e o YouTube mas também com a TV a cabo.

Um dos argumentos favoráveis a manter o setor desregulam­entado é o da dinâmica de “constante fermentaçã­o”. Mas com poucas empresas no domínio, é menos provável que essa fermentaçã­o continue.

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Alex Jones, banido das redes sociais

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