Folha de S.Paulo

Como duas decisões de Musk colocaram a Tesla em dificuldad­es

Em 2016, executivo exagerou nos números do Model 3 e promoveu uma fusão entre a Tesla e SolarCity

- Charley Grant The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci

As dificuldad­es atuais da Tesla podem ser traçadas a duas decisões tomadas por seu presidente-executivo, Elon Musk, em 2016.

Na época, a situação financeira da companhia era sólida, e estava gerando um cresciment­o de vendas saudável com seus carros elétricos de luxo, destinados a compradore­s altamente leais.

Duas decisões de Musk mudaram o rumo da Tesla e conduziram diretament­e aos seus problemas financeiro­s cada vez mais graves e a uma investigaç­ão sobre a companhia na SEC (Securities and Exchange Commission, agência federal que regulament­a os mercados de valores mobiliário­s dos Estados Unidos).

A despeito de todas as suas recentes declaraçõe­s públicas, Musk não parece ter aprendido com esses erros. Já que os investidor­es continuam a determinar o valor da Tesla como se seu único problema fosse atender a uma demanda insaciável, as ações da companhia estão em risco grave.

No começo de 2016, o mercado de ações estava em queda. As ações da Tesla estavam em baixa, e as da outra empresa de capital aberto de Musk, a SolarCity, mostravam declínio ainda maior.

A SolarCity, como seus concorrent­es que vendiam painéis solares a usuários domésticos, estava em situação financeira delicada.

Musktentou­reverteros­dois declínios. Anunciou o Model 3, destinado ao mercado de massa e com preço de venda suposto de US$ 35 mil (R$ 142,4 mil), o que poderia representa­r um cresciment­o exponencia­l de mercado da companhia.

Mais tarde, antes mesmo de o projeto do Model 3 estar concluído, ele definiu o carro como “o maior lançamento na história dos bens de consumo”.

Em conversa telefônica com analistas naquele dia, Musk disse antecipar que a Tesla viria a produzir entre 100 mil e 200 mil unidades do Model 3 no segundo semestre de 2017.

Nos 12 meses que se seguiram ao anúncio, as ações da Tesla quase dobraram de preço. A produção do Model 3, porém, no período mencionado, ficou em 4.000 unidades.

A outra decisão fatídica de Musk naquele ano foi fundir a SolarCity e a Tesla. Isso acabou com a preocupaçã­o dos investidor­es quanto a um possível pedido de concordata da SolarCity. Por outro lado, sobrecarre­gou a Tesla com mais um negócio deficitári­o e elevou em US$ 3 bilhões (R$ 12,2 bilhões) as dívidas incluídas em seu balanço.

Para convencer investidor­es quanto à decisão, Musk anunciou ideias para novos produtos que até agora não resultaram em receita significat­iva.

Na Tesla, as promessas de Musk forçaram a empresa a captar US$ 1,8 bilhão (R$ 7,3 bilhões) adicional e a correr para elevar a produção do Model 3, o que provou ser dispendios­o.

Depois de alguns problemas iniciais, as vendas estão crescendo rapidament­e, mas o cresciment­o dos custos é ainda maior. A alavancage­m operaciona­l —ou seja, a elevação das margens de lucro sobre cada dólar de receita adicional— de que a Tesla necessita continua inatingíve­l.

A Tesla está sob pressão crescente para gerar caixa, depois de consumir US$ 1,8 bilhão (R$ 7,3 bilhões) em reservas de caixa nos primeiros seis meses do ano.

A empresa tem cerca de US$ 1,3 bilhão (R$ 5,3 bilhões) em títulos de dívida conversíve­is com vencimento em novembro e março.

Suas contas a pagar eram de US$ 3 bilhões (R$ 12,2 bilhões) e seu caixa, de apenas US$ 2,2 bilhões (R$ 8,9 bilhões), em 30 de junho. Se o leasing capitaliza­do da empresa for incluído, suas dívidas de longo prazo superam os US$ 11 bilhões (R$ 44,7 bilhões), de acordo com a FactSet.

Os fornecedor­es da Tesla começam a se preocupar quanto ao pagamento do que a empresa lhes deve.

A frustração de Musk com o escrutínio que suas projeções vêm atraindo cresceu a ponto de ele recorrer ao Twitter para anunciar que tinha uma operação preparada para fechar o capital da companhia.

Os tuítes deram início a um frenesi de especulaçõ­es sobre uma transação privada avaliada em US$ 70 bilhões (R$ 284,8 bilhões) —Musk ofereceu US$ 420 (R$ 1.708) por ação de uma empresa que nunca lucrou anualmente.

Na sexta-feira (24), 17 dias depois do anúncio, o executivo voltou atrás e afirmou que a montadora continuará com as ações cotadas em Bolsa.

Musk disse ter tomado a decisão após consultar acionistas grandes e pequenos. Depois disso, diretores disseram apoiar a manutenção dele no comando da empresa.

As projeções otimistas de Musk para o Model 3 estão sob investigaç­ão pela SEC. Por isso, ele sentiu a necessidad­e de afirmar em email que a Tesla não estava para pedir concordata.

O empresário talvez tenha imaginado que permitir a concordata da SolarCity prejudicar­ia a reputação que construiu com o PayPal e com sua companhia de foguetes, a Space Exploratio­n Technologi­es.

Uma concordata poderia prejudicar todos os negócios, incluindo a Tesla, que estava vendendo ações regularmen­te para bancar o cresciment­o.

A Tesla tem diversas opções para escapar à sua situação atual. Pode reduzir a escala de seus planos de produção do Model 3 a um ponto que lhe permita produzir o carro com lucro.

A Tesla afirma que gerará lucro este trimestre, mas dado seu histórico de projeções otimistas em excesso, mesmo os mais positivos dos analistas estão céticos e preveem prejuízo da ordem de US$ 1,19 (R$ 4,84) por ação.

É possível, entretanto, que ela registre lucro, porque o Model 3 está sendo vendido por US$ 50 mil (R$ 203,4 mil) ou mais, e não pelos US$ 35 mil prometidos.

Uma opção financeira, presumindo que a SEC a autorize, seria vender ações, mas a Tesla declarou repetidame­nte que não planeja fazê-lo.

Opção mais arriscada seria persuadir os detentores dos US$ 1,3 bilhão em títulos conversíve­is da empresa com vencimento nos próximos meses a aceitar pagamento em ações da Tesla, de acordo com Vicki Bryan, fundadora da empresa de pesquisa Bond Angle.

Ela prevê que isso minimizari­a a diluição sofrida pelos investidor­es atuais e reduziria a dívida de curto prazo, dando à Tesla uma janela adicional de seis ou sete meses para preservar seu caixa.

Não importa o que a Tesla escolha fazer, Musk terá de mostrar que a lição foi aprendida. Se não o fizer, os investidor­es encararão com ceticismo qualquer plano que ele oferecer.

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