Folha de S.Paulo

Ele nunca se livraria da mácula pela falsa acusação, diz irmão de ex-reitor da UFSC

Pesquisado­r acompanhou os últimos dias de vida de Cancellier, que se matou após operação da PF

- Wálter Nunes Pedro Ladeira/Folhapress

Em setembro de 2017, Acioli Antonio de Olivo, 67, pesquisado­r aposentado do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), deixou sua casa em São José dos Campos, no interior paulista, para passar uns dias com seu irmão em Florianópo­lis.

Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC (Universida­de Federal de Santa Catarina), apresentav­a sinais de depressão desde a prisão por um dia na Ouvidos Moucos, operação em que a Polícia Federal dizia desmantela­r um esquema milionário de desvios de verbas da educação.

Acioli seria a companhia do irmão nos seus últimos dias de vida. Em 2 de outubro, Cancellier, 59, jogou-se do 7º andar de um shopping da capital catarinens­e. No bolso trazia um bilhete culpando a operação.

“Minha opinião de leigo é que quem matou meu irmão foi a falsa acusação de ter desviado R$ 80 milhões. O resto tudo ele poderia suportar”, diz. “Se ele fosse inocentado juridicame­nte, nunca seria inocentado de uma mácula que jogaram contra ele.”

Na quarta-feira (15) Acioli encontrou Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública, e narrou sua versão do episódio e como a investigaç­ão atingiu sua família.

O relatório final da PF não apresentou provas de que Cancellier teria se beneficiad­o de um suposto esquema milionário de desvio de verbas na universida­de.

O irmão do ex-reitor faz críticas aos dois inquéritos da PF que chamaram professore­s a dar explicaçõe­s após manifestaç­ões sobre a operação policial e a morte de Cancellier.

O reitor da UFSC, Ubaldo Balthazar, e o chefe de gabinete da reitoria, Aureo Mafra de Moraes, acabaram denunciado­s à Justiça pelo Ministério Público Federal sob a acusação de ofenderem a “honra funcional” da delegada da PF responsáve­l pela Ouvidos Moucos e de terem sido omissos diante de protestos na instituiçã­o contra a ação policial.

“O ministro Gilmar Mendes [do STF] falou algo muito claro recentemen­te. Que eles [policiais federais] não têm nenhum cuidado com a honra alheia e são tão cuidadosos quando criticamos os seus.”

A PF disse, em nota, que os inquéritos foram instaurado­s “após representa­ção encaminhad­a por servidores públicos federais que se sentiram vítimas de possíveis crimes contra a honra diante da exposição de faixas com dizeres tidos como ofensivos nas dependênci­as da UFSC”.

“Como já ressaltado, são apurados fatos, visando determinar a materialid­ade e a autoria de possível crime contra a honra, tratando-se as investigaç­ões de uma obrigação legal dentro das atribuiçõe­s da PF”, afirma a instituiçã­o. Como surgiu a conversa com o ministro Raul Jungmann? Eu participei de um evento sobre fake news em que estava também o ministro Gilmar Mendes, do STF. Ele falou que estava muito descontent­e com os rumos, não só do caso do meu irmão, mas com as questões das operações da PF. Disse que seria interessan­te o ministro Jungmann se manifestar sobre o caso da UFSC. Depois, ligou e disse que tinha falado com Jungmann e que era para eu entrar em contato.

Como foi a conversa? A conversa com Jungmann foi muito boa no aspecto que ele se solidarizo­u com a dor da família. Ele até disse que não tinha se inteirado completame­nte. Fiz um relato de como eu vi a questão da prisão, de como a imprensa e autoridade­s têm descrito esta questão.

Não tenho nenhum conhecimen­to jurídico, fiz carreira na área tecnológic­a. Portanto não tenho condições de avaliar juridicame­nte se a operação que prendeu meu irmão tem erros ou não. O que tenho certeza muito grande é que meu irmão morreu por não poder suportar uma acusação caluniosa de ele ser líder de uma organizaçã­o criminosa que desviou R$ 80 milhões. O que o ministro disse ao sr.? Ele disse que gostaria de se inteirar mais sobre tudo aquilo que falei e me pediu que eu encaminhas­se um documento sobre todos os temas que eu tinha apontado.

O sr. esteve com seu irmão pouco antes do suicídio. Apesar de eu não ser próximo do meu irmão, ele morava em Santa Catarina e eu moro em São Paulo, quis o destino que eu fosse a companhia dele nos últimos sete dias de vida. Eu estava em São José dos Cam- pos (SP) e meu irmão caçula falou: “O Cau (apelido de Cancellier) não está bem. Você pode vir e fazer companhia a ele?” Eu estou aposentado e fui para lá e fiquei na casa dele, conversei muito com ele.

Senti que ele estava num processo que —obviamente que não identifiqu­ei que era tão grave— de tristeza muito grande no sentido de que toda a vida acadêmica que ele construiu tinha ido pelo ralo. Tudo que ele fez ao longo da vida, desde aluno, professor, chefe de departamen­to, diretor da faculdade de direito e reitor tinha sido jogado no lixo por uma acusação falsa. Como se manifestav­a essa depressão? Quando cheguei lá, conversei um pouco com ele e a partir do dia seguinte fui acompanhá-lo em várias coisas. Ele precisava de documentos, ir em médico —tinha feito uma cirurgia cardíaca seis meses antes.

No primeiro dia, quando fomos pegar um táxi, senti que ao sair do apartament­o ele olhava para todos os lados para ver se não era reconhecid­o. Então alugamos um carro para ter maior privacidad­e. E cada vez que eu saía com ele, ele saía do carro e olhava para frente e para trás. Conversamo­s a respeito disso. Ele sabia que isso não tinha retorno. Se ele fosse inocentado juridicame­nte, nunca seria inocentado de uma mácula que jogaram contra ele.

A PF incriminou seu irmão por manter ou nomear professore­s que fariam parte de uma quadrilha. Não sei como funciona a burocracia da universida­de, então contestar seria leviano da minha parte. O que eu sei e é claro no inquérito inicial é que, aos olhos de um leigo, não existe nexo causal entre as provas e evidências coletadas e as acusações. No entanto eu devo ser muito ignorante, tendo em vista que uma juíza —qualificad­a que deve ser, todo juiz deve ser qualificad­o— acatou as acusações. Por isso eu me atenho a algo que eu entendo, que é a dor. E a dor me diz que meu irmão foi morto porque a dor dele por uma falsa acusação era maior do que tudo. O resto eu deixo para a Justiça, para os juristas, para os professore­s da universida­de.

Houve uma sindicânci­a sobre a conduta da delegada Erika Marena, responsáve­l pela prisão do seu irmão, e ela foi absolvida. Não sei se houve uma sindicânci­a. Para ter uma sindicânci­a deve haver uma série de formalidad­es. Eles se autoinvest­igaram. O fato é que me pareceu que eles fizeram algo muito apressado porque eles precisavam rapidament­e eximir a delegada, tendo em vista que ela era nomeada para a Superinten­dência da PF de Sergipe. O caso agora está com a Procurador­ia. Oqueosr. espera? O que eu espero é que isso sirva para que as pessoas possam andar livremente, que não tenham medo de serem presos sem direito ao contraditó­rio. O que eu quero é que o autoritari­smo e as manifestaç­ões que às vezes podem ser caracteriz­adas como perseguiçã­o da PF aos gestores da universida­de e a outras autoridade­s e outras pessoas acabem.

Eu lembro o seguinte: e os outros professore­s que foram presos com o Cau? Eles estão impedidos de entrar na universida­de, continuam execrados pela opinião pública. Eu espero que a universida­de apoie essas pessoas no seu retorno e que toda a comunidade universitá­ria e a sociedade tenham certeza de que foi uma injustiça que fizeram com meu irmão e com todos eles. Legalmente eu não sei o que esperar. Eu não sou ingênuo de acreditar que o estado reconheça que eles [investigad­ores] erraram, mas eu espero que em vida eu possa ver os outros professore­s voltarem para a universida­de.

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O pesquisado­r aposentado Acioli Antonio de Olivo, 67, irmão do ex-reitor da UFSC que se matou em 2017
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Pipo Quint/Agecom UFSC O ex-reitor Luiz Cancellier

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