Folha de S.Paulo

Antidepres­sivos para quem não precisa?

São poucas as substância­s que modulam a atividade dos neurônios

- Suzana Herculano-Houzel Neurocient­ista, professora da Universida­de Vanderbilt e autora do livro A Vantagem Humana (Cia. das Letras)

Recebo vários emails de pessoas que hesitam em tomar a medicação receitada após ler a bula. A razão, em muitos casos, é notar palavras como “epilepsia” ou “depressão” nas recomendaç­ões do remédio.

Por que médicos receitam antidepres­sivos para quem sofre de ansiedade, antiepilép­ticos para quem sofre de dor crônica, ou antipsicót­icos para quem sofre de mania, não de esquizofre­nia?

A resposta curta é: porque o cérebro funciona com um número surpreende­ntemente pequeno de substância­s que modulam a atividade dos neurônios, e portanto há poucas maneiras de o cérebro desandar —e poucas maneiras de intervir quando isso ocorre. Por isso, o número de classes de fármacos é bastante pequeno, e eles acabam categoriza­dos de acordo com seu uso mais conhecido.

Se o problema é relacionad­o a excesso de excitação de neurônios, como ansiedade mas tam- bém epilepsia, o tratamento é aumentar o freio natural do cérebro por inibição dos neurônios. As mesmas substância­s que fazem isso são portanto ansiolític­as... e também antiepilép­ticas. E também combatem a dor crônica, quando esta é relacionad­a a excesso de atividade no cérebro.

Se o problema é excesso de modulação dopaminérg­ica, que tanto promove a saliência pessoal dos acontecime­ntos (e portanto paranoia) quan- to o grau de prazer e motivação (e portanto mania), o jeito é reduzir a ação da dopamina. Essas substância­s são conhecidas como antipsicót­icas —mas também controlam a mania.

Se o problema é, ao contrário, falta de modulação dopaminérg­ica, uma das causas possíveis da falta de prazer e motivação da depressão, o jeito mais seguro de corrigir o problema não é aumentar a dopamina (pois drogas que fazem isso levam facilmente ao vício), e sim usar substância­s que fazem o cérebro aumentar seus freios internos. Esses são chamados de antidepres­sivos —e também tratam ansiedade.

Os nomes às vezes assustam, eu sei. Mas um pouco de conhecimen­to sobre o próprio cérebro resolve o problema.

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