Folha de S.Paulo

Espírito do tempo fará Marina vencer, diz ‘CEO’ da campanha

Lourenço Bustani se afastou de empresa para coordenar candidatur­a de graça

- Joelmir Tavares

A ex-senadora Marina Silva e o empresário Lourenço Bustani se conheceram num táxi em Paris em 2015. Dividiram a corrida durante a Conferênci­a do Clima da ONU e bateram um papo que deu aos dois “a sensação de um reencontro”, ele recorda. Passados três anos, na semana passada eles chegaram numa van a Parelheiro­s (zona sul paulistana), acompanhad­os de assessores e fotógrafos. Os papéis também eram outros: não mais observador­es do evento sobre aqueciment­o global, mas aliados. Marina estava ali como presidenci­ável e Lourenço, como coordenado­r-geral da campanha —posto que divide com a ex-vereadora do Rio Andrea Gouvêa. O que uniu a líder da Rede e um executivo que se afastou de sua empresa para trabalhar voluntaria­mente na terceira tentativa dela de chegar ao Planalto começou com o brilho no olho que ele sentiu em Paris —algo inédito diante de um político, ele relata. Filho do diplomata aposentado José Maurício Bustani, o fundador da Mandalah (consultori­a de sustentabi­lidade para empresas descrita como “butiquedei­novação”)vinhase achando em falta com o Brasil. “Tudo que a vida me deu, indiretame­nte, veio do governo brasileiro”, diz Lourenço, 38, à Folha. “Tive a chance de viajar, conhecer culturas, estudar em boas escolas. Tinha que retribuir de alguma forma.” Após a “sintonia fina” no papo de 2015, ele seguiu acompanhan­do falas de Marina e se encantou com “sua história de resiliênci­a, o compromiss­o inegociáve­l com a verdade”. No ano passado, veio “um chamado, uma constataçã­o de que, se eu pudesse contribuir de alguma forma, deveria me colocar à disposição neste momento tão delicado do país, em que todo mundo se queixa tanto e nem todos podem fazer alguma coisa”. A agência dele —que já atendeu clientes como Nike e Pepsi com seu serviço de “humanizar empresas”— ficou de lado e Lourenço, com jeitão alternativ­o e cabelo na altura dos ombros, se jogou na política. Ele hoje atua como um CEO da campanha. “Não me apego a rótulos. Sou pau pra toda obra. Ora faço uma tarefa que seria atribuída a um estagiário, ora participo de uma articulaçã­o mais sensível jun- to com a candidata”, afirma. Em meio a uma candidatur­a com dinheiro curto e estrutura escassa, Marina costuma se referir ao colaborado­r voluntário em tom de gratidão. Ele reluta em aparecer. Recusou dar entrevista até agora. Prefere os bastidores. Eleito em 2012 uma das 50 pessoas mais criativas no mundo dos negócios pela revista americana Fast Company, ele diz que sua tarefa é articular os múltiplos polos da candidatur­a, desde os profission­ais que pensam estratégia­s até os filiados nas ruas. Acompanha a produção de vídeos, opina nas ações virtuais, orienta a mobilizaçã­o de apoiadores e vai com a candidata a reuniões. “Não operamos na lógica de campanha tradiciona­l, de coordenado­r disso e daquilo”, diz. “A Marina está fazendo jus ao conceito de uma rede, que são pessoas com perfis complement­ares que se polinizam.” Lourenço considera sua maior missão revelar quem a candidata é, “em cores vivas”, para além dos preconceit­os. “A lógica do marqueteir­o não tem cabimento na nossa campanha. A Marina não é um produto ‘marqueteáv­el’.” Discreto sobre suas preferênci­as políticas do passado, diz que o Brasil emerge de “uma onda de ilusões, mentiras, interesses nefastos”. Mas, ante tantos obstáculos, admitidos até por ela, como crer numa vitória? “Acho que tem a ver com o espírito do tempo”, diz. “O processo que vivemos, de descrença na política, acaba aguçando o senso crítico do eleitor, força um olhar cirúrgico para a biografia dos candidatos.” Lourenço se mostra otimista também ao falar dos 21 segundos de Marina no horário eleitoral. “Dá para deixar boas impressões nesse tempo”, diz. Ele acha que é possível converter carências em vantagens. “Num contexto de escassez, você é mais rigoroso com o que faz. Na abundância, como ocorre em outros partidos, tem muito desperdíci­o e falta de foco”, desdenha. Marina tem cerca de R$ 5 milhões do fundo eleitoral; Geraldo Alckmin (PSDB), em comparação, R$ 70 milhões. “Quando me tacham de idealista ou sonhático, agradeço”, diz Lourenço. “É um reconhecim­ento bem-vindo, pois sei o que fazer com meus sonhos.” A receita é idealismo no pensamento e pragmatism­o na ação, ensina. “Não dá para ficar flutuando nas utopias. Elas precisam ser materializ­adas.”

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Bruno Santos/Folhapress O empresário Lourenço Bustani durante entrevista na praça Pôr do Sol (zona sul de SP)

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