Folha de S.Paulo

Cineasta busca ação política fora dos partidos

Em nova série da GloboNews, Yasmin Thayná viaja por cinco estados para conhecer novas práticas nas comunidade­s

- Ricardo Kotscho

“O que você veio fazer aqui?”, perguntava­m à jovem cineasta Yasmin Thainá durante suas viagens por cinco estados brasileiro­s para produzir a série Política: Modo de Fazer, que estreia neste sábado (1º), na GloboNews.

Em primeiro trabalho para a televisão, ela explicava às pessoas que queria descobrir as novas práticas políticas da sociedade civil fora do contexto dos partidos tradiciona­is. “Ah, você deve estar tendo muita dificuldad­e, né? Porque aqui não tem nada sendo feito, só roubalheir­a...”

Pois Yasmin não desistiu. Ao contrário, encontrou dezenas de movimentos de participaç­ão popular, formados em sua maioria por grupos de jovens nas periferias de São Paulo, Recife, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Yasmin conhece bem este mundo desde pequena e é ela própria um personagem emblemátic­o deste país em transforma­ção. Filha do pedreiro Osmar Machado, hoje porteiro de prédio, e da doméstica Claudia, ela foi criada pela avó Zilda numa casa com quintal no bairro rural de Santa Rita, a 40 quilômetro­s de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Aos 25 anos, Yasmin está concluindo o curso de comunicaçã­o social com especializ­ação em cinema na PUC-Rio. “Acho essa série muito desafiador­a porque nos permite olhar para a política que é feita no cotidiano, quando cada um resolve fazer alguma coisa para movimentar o seu bairro, a sua comunidade, o seu aglomerado, a sua quebrada, a sua favela. Isso nos revelou um Brasil que nem sempre a gente percebe.”

É o que ela vem fazendo desde pequena. Foi alfabetiza­da com um caderno de poesia que uma ex-namorada de seu pai escreveu para ele. “Eu adorava aquelas poesias e ficava copiando.”

Sua vocação para o cinema seria despertada pela série “Cidade dos Homens”, com Douglas Silva e Darlan Cunha, exibida pela Globo, que o pai gravava em VHS para ela poder assistir de dia. “Era mágico rodar o VHS e ver aquela história que muito tinha a ver com a minha.”

Pensou primeiro em ser juíza, mas depois foi estudar eletrônica numa escola técnica estadual e chegou a sonhar em ser engenheira.

“Eu tinha esse sonho de mudar de vida, fazer algo pela minha comunidade e dar uma vida melhor para meus pais. Na escola técnica, eu me envolvi com a política estudantil. Aí, numa reunião do grêmio, eu disse assim: ‘Não vai ter Feira Mundi coisa nenhuma, vai ter Feira Brasil’. Eu tinha o que, 15, 16 anos? Para minha sorte, o professor de matemática era negro, usava black power e comandava um grupo de maracatu em outra escola, que ele trouxe num ônibus. Foi o maior sucesso.”

Naquela época, a Prefeitura de Nova Iguaçu criou o projeto Jovem Repórter e Yasmin logo foi trabalhar lá para contar histórias da cidade. “Uma experiênci­a incrível, descobri o jornalismo da vida.”

Durante um ano, ela foi a única repórter mulher que ia todas as semanas ao presídio masculino para escrever a série “Memórias do Cárcere”.

Ao fazer matérias sobre cultura, descobriu a Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu, onde foi estudar roteiro e encontrou o que queria fazer da vida.

“Você consegue medir o tamanho da ousadia que é ter uma escola de cinema na Baixada Fluminense? Um lugar totalmente estigmatiz­ado pela violência e por algo que eu chamaria de canibalism­o, porque existe essa visão de que somos canibais, mas é que a galera não se liga que aquela região é, historicam­ente, um dos polos de cultura mais importante­s do estado. Foi naquela escola que eu decidi que poderia ser cineasta, ela me devolveu o direito de sonhar.”

Com esse direito adquirido, assim que saiu do ensino médio ganhou uma bolsa para estudar jornalismo numa faculdade particular, a Castelo Branco, em Realengo, na zona oeste do Rio.

O que Yasmin queria, porém, era fazer cinema na PUC e ela foi atrás do sonho, até conseguir. Só foi aprovada na quarta tentativa, depois de completar metade do curso de jornalismo.

“Esse rolê do cinema, jornalismo, literatura me fez pensar que eu estou disputando um espaço de poder. E mais: um poder de branco. Para ser negra e querer dividir o mesmo espaço com quem nunca quis que pessoas como eu tivessem a possibilid­ade de fazer isso você tem de se fortalecer. E o cinema foi esse turbilhão que trouxe tudo junto.”

Agora, Yasmin reencontro­u a sua própria história de vida ao trabalhar na série, em parceria com Cristina Aragão.

No programa, ela vai responder a perguntas que ela mesma se fez ao iniciar a jornada: por que uma roda de terapia comunitári­a, frequentad­a e organizada por jovens, no meio de uma praça na Ceilândia, no Distrito Federal, pode ser considerad­a como uma prática política? Ou ainda: por que um laboratóri­o de análises de dados e geração cidadã no meio do Complexo da Maré é uma iniciativa política?

Coprodução da Maria Farinha Filmes, Instituto Update e GloboNews, Política: Modo de Fazer une jornalismo e cinema —duas paixões de Yasmin— para mostrar um Brasil que a gente não costuma ver. Parece ficção, mas é tudo verdade nesta história, que tem um final feliz, contado por ela mesma, ao falar dos pais.

“Eles gostam dos meus filmes, meu pai é superorgul­hoso. Às vezes, fico com ele na portaria do prédio onde trabalha. Para quase todos os moradores que passam, ele diz: ‘Essa daqui é minha filha. Ela faz filmes’.”

Política: Modo de Fazer

Aos sábados, às 19h30, na GloboNews, com reapresent­ações em diferentes dias e horários

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Ricardo Borges/Folhapress A cineasta Yasmin Thayná, 25

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