Com elenco de origem asiática, filme ‘Podres de Ricos’ é sensação nos EUA
Baseado em best-seller homônimo, longa reflete esforço de Hollywood para atingir mercado da Ásia
los angeles Hollywood está mudando. E na marra. Após décadas vendendo a ideia de que produções protagonizadas por minorias não poderiam ser sucessos de bilheteria, viu “Pantera Negra”, longa com elenco e equipe predominantemente negros, tornarse o filme mais visto de 2018, com um faturamento superior a US$ 1,3 bilhão (R$ 5,3 bi).
Agora, “Podres de Ricos”, de Jon Chu, tornou-se a nova sensação dos cinemas dos EUA. O filme, previsto para estrear no Brasil em 25/10, é protagonizado inteiramente por atores de ascendência asiática, algo que um grande estúdio americano não fazia desde 1993, com “O Clube da Felicidade e da Sorte”.
“Cinco anos atrás ninguém teria feito esse projeto, porque Hollywood acha que ninguém gosta de assistir a minorias se divertindo nas telas”, diz a atriz Michelle Yeoh.
Yeoh não está errada. Quando a Paramount decidiu adaptar o mangá “Ghost in the Shell”, no ano passado, o estúdio escalou Scarlett Johansson no papel principal por não acreditar que uma atriz oriental tivesse o mesmo apelo.
Ironicamente, o longa naufragou ao render somente US$ 40 milhões nos EUA.
Foi com essa mentalidade que produtores começaram a assediar o escritor Kevin Kwan, em 2013, quando seu livro “Asiáticos Podres de Ricos” (ed. Record) começou a virar um sucesso de vendas.
“Um produtor famoso me procurou para comprar os direitos da obra para o cinema, mas ele queria transformar a protagonista em uma garota branca”, diz o autor. “Ele não entendeu nada do meu livro. Falei ‘tchau’ na hora.”
Kwan decidiu tentar a sorte numa produção independente, que não cortasse os temas de identidade e representatividade do seu best-seller.
Mas mudou de opinião quando a produtora Nina Jacobson (“Jogos Vorazes”) apresentou uma proposta para compor o elenco com atores de origem asiática.
Assim como no livro, a protagonista do filme é Rachel (Constance Wu), uma sinoamericana criada por uma mãe solteira em Nova York. Ela é convidada para conhecer a mãe (Yeoh) do namorado, Nick (Henry Golding), e descobre que ele faz parte de uma das famílias mais ricas de Singapura, reflexo da nova dinâmica global.
“Quando morei na França pela primeira vez, as pessoas olhavam para mim como se fosse uma refugiada sem dinheiro para comprar”, diz Michelle Yeoh. “Agora, as lojas têm alguém que fala japonês ou mandarim porque os compradores são asiáticos.”
Com um orçamento de US$ 30 milhões (R$ 125 mi) e filmado em Singapura e na Malásia, “Podres de Ricos” faturou US$ 34 milhões (R$ 142 mi) já no final de semana de estreia e surpreendeu até os atores envolvidos. A atriz e rapper Awkwafina conta que teve uma epifania no set.
“Lembro de olhar o rosto dos atores e atrizes e pensar que, em determinado ponto de suas carreiras, eles eram os únicos asiáticos no estúdio”, diz ela. “Essa dinâmica não existe nesse projeto. Como uma americana descendente de asiáticos, foi revelador.”
Mas a obsessão quase custou caro quando o novato Henry Golding, filho de um britânico com uma malaia, foi acusado de “não ser asiático o suficiente” para interpretar o herdeiro de uma nobre família.
“Acho que isso combina com nosso tema de identidade. Somos muito orgulhosos de nossas origens”, afirma o ator.
A protagonista Constance Wu também bate na tecla da importância do longa para a comunidade asiática nos Estados Unidos. “Estamos falando de representatividade e não apenas de diversidade. O filme não contrata raças diferentes apenas para fingir ser diverso, mas por apreciar a cultura das minorias.”
As escolhas se mostraram certeiras. Os asiáticos compraram a ideia do filme e foram em massa aos cinemas. “Os tempos estão mudando e chegou a hora de todo mundo agir igual”, diz Yeoh.
Uma década atrás, o produtor de cinema John Penotti estava desanimado. Ele tinha perdido muito dinheiro com produções independentes só para descobrir que a crise financeira de 2008 havia destruído muitos dos distribuidores que poderiam comprálas. Em busca de um novo modelo, decidiu pesquisar sobre o mercado da Ásia.
Só havia um problema: ele nada sabia sobre a Ásia.
Dez anos depois, Penotti tem uma empresa em ascensão, a Ivanhoe Pictures, cuja especialidade é o mercado asiático. Diferentemente de muitos dos estúdios que atravessaram o Pacífico nos últimos anos em busca de projetos de alcance mundial, a Ivanhoe criou um modelo de negócios para um continente que durante muito tempo foi um enigma para os executivos de entretenimento americanos.
Agora, a empresa recebe dividendos para esses esforços com o sucesso da comédia romântica “Podres de Ricos” (“Crazy Rich Asians”).
“Minha experiência com a Ásia antes de começar a empresa era ser fã de Wong Karwai”, diz Penotti, mencionando o cineasta de Hong Kong.
“Foram precisos dois anos de imersão, de viagens com meses de duração por lá, antes que eu começasse a me sentir confortável. Minha mulher até perguntou se eu tinha outra família na Ásia.”
Não é sem motivo que as empresas americanas buscam entrada no mercado asiático. O continente abriga muitos cinéfilos. Hoje, três dos seis países com maiores bilheterias são asiáticos. Mas os desafios são muitos.
Nos anos 2000, os estúdios começaram a investir tanto em produções em idiomas locais quanto em títulos mais caros, falados em inglês, para o mercado mundial. Muitas dessas produções não demoraram a encontrar obstáculos, e diversos projetos terminaram cancelados.
Os grandes títulos eram caros demais, mesmo considerando as dimensões da audiência local, e os títulos locais eram pequenos demais diante dos esforços que requeriam. Dos grandes, só a Sony continua a operar em larga escala no continente.
A Netflix começou a produzir trabalhos em idiomas locais na Ásia, mas ainda não se sabe se terá sucesso. Enquanto isso, até as produções para exportação dos grandes estúdios estão em risco, diante das produções chinesas de alto orçamento, que registram grandes bilheterias sem necessitar de um dólar que seja de produtores americanos.
Penotti, 54, viu todos esses estúdios envolvidos em guerras na Ásia, e percebeu uma oportunidade. Veterano do cinema independente e responsável por filmes como “Entre Quatro Paredes”, que conquistou quatro indicações ao Oscar, ele queria encontrar uma maneira de aproveitar um mercado com audiência e recursos crescentes, mas maneiras locais de fazer negócios.
“Os estúdios pareciam estar agindo da forma errada, tentando impor seus modelos às culturas locais ou produzir trabalhos de grande porte que não interessavam a muita gente”, diz Penotti. A solução, segundo ele, era recorrer a coisas que funcionavam nos Estados Unidos mas adaptar os formatos para a Ásia.
Por isso, a companhia produziu uma versão chinesa da comedia romântica “Noivas em Guerra” (2009). E a Índia em breve verá uma versão repaginada de “A Qualquer Custo”, western originalmente filmado com Jeff Bridges.
Como esses projetos são realizados tendo mercados locais em mente, eles têm uma audiência definida e orçamentos que geram lucros mais rápido, diz a empresa.
Mas nem todo mundo encarou os filmes de modo positivo. Os remakes em idiomas locais não se saem muito bem aos olhos da crítica, em geral, porque os elementos culturais nem sempre são facilmente transformados.
“Uma comédia romântica nem tão boa de Hollywood fica ainda pior nesse atroz remake chinês”, disse a crítica da revista Variety sobre versão de “Guerra das Noivas” produzida pela Ivanhoe.
Penotti minimiza essas preocupações. “Há talento envolvido em selecionar que histórias e de que maneira elas devem ser adaptadas para que pareçam autênticas a uma determinada cultura”.
Sucesso é resultado de foco de produtora no continente Steven Zeitchik