Folha de S.Paulo

INSS atrasa 720 mil processos no país

Quase metade dos pedidos de aposentado­ria, auxílio-doença e BPC está parada acima do prazo permitido

- Laís Alegretti

Em ação civil contra o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a Defensoria Pública da União questiona a demora na análise de pedidos de aposentari­a além do tempo máximo previsto em lei, que é de 45 dias desde a entrega dos documentos até o pagamento inicial.

Mais de 720 mil pedidos de benefício esperam há mais de um mês e meio — quase metade do total de 1,5 milhão que aguarda análise.

Segundo a defensoria, uma das causas da demora é a revisão de benefícios por incapacida­de, que passam por um pente-fino.

O presidente do INSS, Edison Garcia, nega relação entre o atraso na análise de pedidos e esse processo de revisão de pedidos. “Tem a ver com falta de funcionári­os e produtivid­ade baixa por conta de metodologi­a de trabalho, que queremos mudar.”

Do dia em que foi atendida em agência do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) até receber o primeiro pagamento, a hoje aposentada Rosângela Fernandes, 59, esperou sete meses.

O período é mais de quatro vezes o tempo máximo previsto em lei, de até 45 dias da apresentaç­ão dos documentos até o pagamento inicial.

A resposta do governo só saiu depois de a Justiça ser acionada, por meio de um man- dado de segurança, e determinar simplesmen­te que o INSS analisasse o pedido.

Situações como essa levaram a DPU (Defensoria Pública da União) a apresentar uma ação civil pública contra o INSS pela demora generaliza­da nas decisões. A avaliação é que o problema ocorre em todas as regiões.

“É evidente que peculiarid­ades locais influem no tempo médio de atendiment­o, no entanto, as reivindica­ções se confirmam ao longo de todo o país”, diz o documento, sobre o qual ainda não houve decisão judicial.

Hoje mais de 720 mil pessoas que pediram benefício ao INSS esperam decisão há mais de 45 dias, segundo o próprio instituto. Esses processos atrasados representa­m quase metade do total de 1,5 milhão que aguardam análise.

Rosângela conta que procurou o INSS diversas vezes, com receio de que algum documento estivesse pendente.

“Você liga, vai na agência, fala com a ouvidoria e eles dizem que não tem nada faltando. Só sabem dizer que o pedido está em análise.”

Sem o que seria sua única renda mensal, já que não estava empregada, Rosângela recorreu à ajuda de familiares e amigos.

“Eu ia anotando o que as pessoas iam me ajudando e, quando veio o valor atrasado, usei para ressarcir quem me ajudou. Tinha dia que eu só tinha uma xícara de arroz para fazer. Foi uma fase extremamen­te difícil”, lembra.

Rosângela, que toma cinco remédios de uso contínuo, diz que a preocupaçã­o gerada pela incerteza em relação ao pagamento do benefício teve reflexo até no corpo.

“Eu não tinha previsão, não sabia quando começaria a receber. Perdi oito quilos e até hoje não voltei ao meu peso.”

Antes dos sete meses à espera da resposta do INSS, ela já havia esperado outros três pelo agendament­o.

Rosângela conta que fez a ligação em agosto de 2017, mas só conseguiu data para novembro para levar a documentaç­ão até a agência.

A ação da DPU enumera casos em que a demora foi muito grande e menciona que a solução individual encontrada tem sido a apresentaç­ão de mandado de segurança para garantir uma resposta.

Um pedido feito em Mandiritub­a (PR), por exemplo, quase chegou a um ano: o INSS levou 11 meses e 6 dias para conceder uma aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão.

“A pessoa tem que entrar na Justiça para obter uma resposta quanto ao seu direito e ela tem um ônus para isso —do tempo e, por vezes, de custo. É um ônus que o cidadão suporta de uma obrigação do Estado”, diz a defensora pública federal Carolina Balbinott, que assina a ação junto com o defensor Alexandre Mendes.

Um ofício da gerência executiva do INSS em Curitiba, ao qual a Folha teve acesso, relata aumento no tempo médio de análise e diz que ele supera um semestre para alguns benefícios.

“A grande demanda de requerimen­tos e constante redução do quadro de servidores tem elevado o tempo médio de análise, razão pela qual algumas espécies, tais como aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão e idade, possuem tempo médio de análise superior a seis meses”, diz.

Com data de julho, o documento se refere à situação local, mas dá a dimensão de um problema que vem sendo relatado em diversas regiões.

A demora não está só no aval para as aposentado­rias.

Também afeta o benefício assistenci­al, o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiênci­a que provem renda familiar per capita de até 25% do salário mínimo (R$ 954).

Daniele Souza, 34, solicitou o benefício para a filha, Maria, de 1 ano e 9 meses, que tem encefalopa­tia (doença que afeta funcioname­nto do cérebro).

“Ela respira por traqueosto­mia, ainda usa ventilação mecânica, se alimenta via sonda. Ela não segura o pescoço, não fala, não anda. É um bebê que vive acamado”, relata Daniele.

O pedido foi feito em julho de 2017. Sem resposta, Daniele procurou a DPU neste ano, que enviou um comunicado para o INSS em maio. Só depois disso a perícia foi marcada. O primeiro pagamento aconteceu 10 meses depois da entrega dos documentos.

Nesse tempo, Daniele contou com o apoio dos amigos, que foi de rifas à loteria.

“Alguns amigos fizeram rifas de cosméticos e de produtos de pet shop. Foi o que ajudou a comprar medicament­o, pomadas, fraldas”, lembra. “Teve uma amiga minha que ganhou a Quina e me deu R$ 1.000. Contei muito com a solidaried­ade das pessoas.”

O documento da DPU menciona, entre possíveis motivos para a demora, a aposentado­ria de servidores do INSS, o envelhecim­ento da população e a opção de protocolo pelo INSS digital, que ampliou os canais de pedido.

Também diz que as revisões de benefícios geram demandas maiores para o órgão e que “é possível concluir que direcionam força de trabalho das agências do INSS para tais casos, prejudican­do a análise e atendiment­o dos requerente­s de benefícios iniciais”.

O INSS tem feito pente-fino nos benefícios por incapacida­de, como auxílio-doença e aposentado­ria por invalidez.

O presidente do INSS, Edison Garcia, nega que a demora na análise de pedidos tenha relação com o processo de revisão de benefícios: “Tem a ver com falta de funcionári­os e produtivid­ade baixa por conta de metodologi­a de trabalho, que queremos mudar.”

Garcia diz que pretende separar o serviço de atendiment­o ao público da análise de pedidos para agilizar o processo.

Ele lembra que a redução do quadro de funcionári­os se deve às aposentado­rias dos servidores, sem reposição por concursos públicos. Com a crise fiscal, não há previsão de novas contrataçõ­es.

Cerca de 55% dos pouco mais de 33 mil servidores do órgão adquirem direito à aposentado­ria em 2019, segundo o INSS. Apenas 5.100 funcionári­os trabalham diretament­e com a análise de pedidos, apesar de haver mais servidores capacitado­s para a atividade.

Esse número, na avaliação de Garcia, poderia subir para pelo menos 8 mil com um plano de incentivo que inclua home office e pagamento de bônus por produtivid­ade.

Os números do Boletim Estatístic­o da Previdênci­a Social revelam a que a incapacida­de do governo de dar vazão aos pedidos continua. Só no primeiro semestre deste ano, a quantidade de solicitaçõ­es feitas ao INSS superou em 350 mil o número de respostas dadas pelo órgão.

O dado evidencia que, além de já haver grande estoque de pedidos sem resposta, ele tem aumentado a cada mês.

Além de atrapalhar quem aguarda aposentado­ria ou benefício assistenci­al, a situação também prejudica as contas públicas. Isso porque a Previdênci­a precisa pagar os valores atrasados com correção.

Em 2017, o INSS pagou a beneficiár­ios R$ 199 milhões referentes à correção monetária devida por início do pagamento em atraso. Neste ano, até julho, foram R$ 105 milhões.

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Fonte: INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e BEPS (Boletim Estatístic­o da Previdênci­a Social) - jun.2018 *Referência: 1ª quinzena de agosto

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