Folha de S.Paulo

Candidatos ligados à pesquisa querem formar uma inédita ‘bancada da ciência’

Briga contra corte dos investimen­tos de governos na área une os cientistas, geralmente mais afastados da política

- Fernando Tadeu Moraes e Gabriel Alves

Uma das novidades nas eleições deste ano é a candidatur­a de cientistas ou pessoas próximas à academia para o legislativ­o federal, distrital e estadual. Historicam­ente raro no país, o engajament­o de pesquisado­res na política ganhou volume após a desidrataç­ão do orçamento federal da ciência nos últimos anos.

“Decidi me candidatar em razão da política de austeridad­e econômica implementa­da nos últimos dois anos, que tem prejudicad­o muito a ciência, a tecnologia e a educação”, diz a matemática Tatiana Roque (PSOL-RJ), professora da UFRJ que disputa uma vaga na Câmara dos Deputados.

Embora cada um dos candidatos-cientistas desfraldem bandeiras próprias (veja quadros ao lado), todos pretendem lutar para aumentar o investimen­to público em ciência e tecnologia.

“Hoje o país gasta mais ou menos 1% do PIB em ciência e tecnologia. Precisamos aumentar 0,5% do PIB por ano até chegar a algo como 3%, 3,5% do PIB — valor que a Coreia do Sul investe, por exemplo”, diz o bioantropó­logo Walter Neves (PPL-SP), professor aposentado da USP e candidato a deputado federal.

Outra bandeira comum é o combate à Emenda Constituci­onal 95, que institui o chamado teto dos gastos, que limita o investimen­to público em diversas áreas, como Ciência e Tecnologia.

As candidatur­as são bemvistas pelos presidente­s das duas principais entidades de cientistas do país, a ABC (Academia Brasileira de Ciências) e a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

“Acho positivo que pessoas envolvidas com ciência se interessem por participar da política. Isso é melhor do que a ideia que surgiu há algum tempo de criar um partido da ciência, pois um partido não pode ter um único tópico em sua agenda”, diz Luiz Davidovich, presidente da ABC.

A proposta de um partido também não agrada Ildeu Moreira, presidente da SBPC. “A gente vê com bons olhos as candidatur­as, mas o mais importante é ter no Parlamento pessoas com mais sensibilid­ade e que levem adiante as posições da comunidade científica, sejam cientistas ou não.”

Apesar de não apoiar partidos ou candidatur­as individual­mente, a SBPC se compromete­u a divulgar os nomes de todos aqueles que aderirem às posições da associação em seu site na internet. Segundo a entidade, a lista deve estar no ar nesta semana.

A presença de pesquisado­res no Congresso e nas assembleia­s legislativ­as, além de aumentar a representa­tividade da ciência nas esferas políticas, pode também trazer mais racionalid­ade aos debates ali travados.

“Os cientistas podem contribuir orientando e fomentando políticas fundamenta­das em evidências empíricas, e não em achismos ou argumentos puramente ideológico­s”, afirma o físico Alexandre Costa (PSOL-CE), professor da Universida­de Estadual do Ceará que tenta se eleger para a Câmara dos Deputados.

Mas quantos cientistas são necessário­s para formar uma bancada da ciência? “Se dois se elegerem, já dá para fazer muito barulho, mas, para tentarmos sair do caminho da barbárie, o ideal seria meia dúzia”, diz Walter Neves. “O objetivo de ter uma bancada da ciência é não deixar que as pautas relativas à área fiquem sempre em segundo plano e mostrar que elas são prioritári­as”, diz Tatiana Roque.

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