Folha de S.Paulo

Pequenos negócios são mais afetados pela lei de proteção de dados pessoais

Legislação entra em vigor em 2020 e exigirá ajustes no modo de lidar com informaçõe­s de clientes

- Ana Luiza Tieghi Rafael Hupsel/ Folhapress

As empresas pequenas serão as principais afetadas pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), sancionada pelo presidente Michel Temer em 14 de agosto.

A lei determina que empresas sejam transparen­tes em relação ao uso de dados de clientes. Serão punidos, por exemplo, negócios que coletem informaçõe­s pessoais sem consentime­nto ou que guardem dados desnecessá­rios para o serviço prestado.

“Vai ter um impacto grande no varejo, em farmácias, mercados, lojas e consultóri­os médicos”, diz a advogada Patrícia Peck, especialis­ta em direito digital.

Ao digitar o CPF para entrar em um plano de fidelidade e conseguir descontos, por exemplo, o cliente entrega informaçõe­s pessoais. Hoje, as normas relativas à privacidad­e já existentes no Brasil não impedem, na prática, que as empresas compartilh­em entre si os dados coletados.

A partir de fevereiro de 2020, quando a LGPD entrar em vigor, essa troca será autuada. Quem não se adequar pode pagar uma multa de até 2% do faturament­o, com teto de R$ 50 milhões por infração.

As empresas também deverão garantir que clientes consigam editar seus cadastros. Isso vai exigir mudanças nas plataforma­s dos negócios, que, para a diretora da agência de marketing ID\TBWA, Camila Costa, pesarão mais para os pequenos empresário­s.

“O recurso de tecnologia e o investimen­to para fazer isso são mais escassos para eles.”

A lei ainda não define, porém, como as empresas devem se adequar, diz o advogado Vitor Morais, coordenado­r do curso de direito da PUC-SP.

Isso vai depender da criação da Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais, vetada do texto aprovado. Na ocasião, Temer afirmou que enviaria um projeto de lei ao Congresso para criar a entidade, o que ainda não foi feito.

A agência será responsáve­l por fiscalizar o cumpriment­o da lei e, para Fabiano Barreto, especialis­ta em política e indústria da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria), também terá o papel de ensinar a seguir a LGPD.

Mas não há tempo para esperar pela agência. Desde já, as empresas podem rever seus processos, para saber onde e como usam dados pessoais.

“Tem que mapear as informaçõe­s que captam na catraca do prédio, se têm mailing, se enviam mala direta pelo correio, como é o tratamento das informaçõe­s dos colaborado­res, e ver se estão de acordo com a lei”, diz Barreto.

Gabriel Camargo, sócio-diretor da Deep Center, que processa dados, indica três medidas para melhorar a segurança das informaçõe­s pessoais.

Uma é a restrição de acesso aos locais de armazename­nto dos dados. Outra é a instalação de tecnologia­s que previnem o vazamento nos servidores, como antivírus, firewall e criptograf­ia. Por último, a criação de uma política de conduta para funcionári­os que lidam com informaçõe­s.

“Não adianta ter as barreiras se alguém pode fotografar a tela e vazar o conteúdo”, diz.

Quando trabalham de casa, os funcionári­os da Deep Center usam uma tecnologia que impede o vazamento de dados para a rede privada.

Empreended­ores devem ficar atentos à adequação de empresas parceiras, porque eles serão responsabi­lizados pelas informaçõe­s coletadas por terceiros.

Negócios pequenos também costumam subestimar o risco de ataques de hackers e não se protegem de forma adequada, diz Tiago Lino, especialis­ta em riscos cibernétic­os da seguradora AIG.

Alguns vírus sequestram dados, criptograf­ando-os, até que a vítima pague um resgate. “É muito comum. A farmácia da esquina pode já ter tido que pagar R$ 10 mil para um hacker, mas ninguém fica sabendo.”

A partir de fevereiro de 2020, a agência que fiscalizar­á o cumpriment­o da lei terá que ser notificada caso um ataque envolva dados pessoais de clientes e funcionári­os.

Patrícia Peck diz que essas mudanças são importante­s para facilitar negócios entre empresas brasileira­s e estrangeir­as, receosas com o fato de o país não ter uma legislação que se preocupe com o uso de dados pessoais. Na Europa, uma lei que inspirou a LGPD começou a valer em maio.

“O Brasil estava em uma lista de poucos países da América Latina que não tinham essa lei, com a Venezuela, o Haiti e Cuba”, diz.

O problema, para ela, é a falta de recursos para investir nas adaptações. Linhas de crédito específica­s para a LGPD poderiam ajudar.

“É importante construir um plano com bancos de fomento, como o BNDES. Fazer a lei é uma coisa, mas ter um plano para implementa­r a proteção de dados é política pública.”

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Gabriel Camargo, sócio-diretor da Deep Center, na sede da empresa

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