Folha de S.Paulo

Verborragi­a perigosa

Sobre arroubos retóricos de Bolsonaro e de petistas.

- Editoriais@grupofolha.com.br

Uma candidatur­a presidenci­al propaga que as urnas eletrônica­s terão sido fraudadas caso não seja a vencedora do pleito. Outra, que decisões reiteradas da Justiça convertem a disputa em fraude.

Jair Bolsonaro (PSL), seus portavozes e militantes lançam dúvidas sobre a probidade do registro de votos, o que compõe uma arenga autoritári­a que inclui o elogio de ditaduras e da violência física.

Petistas dizem que a condenação em duas instâncias de seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, constitui violação institucio­nal —ou parte de um golpe, termo que aplicam a qualquer procedimen­to que os contrarie, não importando a regularida­de do processo.

Na diatribe mais recente, a mais que esperada decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de considerar Lula inelegível foi descrita, na propaganda de TV, como um ataque à “vontade do povo”.

Ainda que possam parecer mera verborragi­a demagógica, tais arroubos envenenam o ambiente democrátic­o. As contestaçõ­es à legalidade da disputa eleitoral não são propriamen­te críticas, com argumentos baseados em lógica e evidências, nem queixas encaminhad­as aos canais adequados.

Trata-se de ataques infundados às regras do jogo —que, mais adiante, poderão ser usadas para negar também a legitimida­de do eleito, de seu governo, de leis e políticas que vierem a ser implantada­s.

A estratégia se vale da disseminaç­ão de crenças conspirató­rias, que apelam em particular às parcelas mais sectárias do eleitorado.

Os setores mais extremados acabam por não ver os adversário­s como pessoas de opiniões e interesses diferentes em seu direito de disputar o poder; oponentes se tornam inimigos a serem eliminados da vida pública e hostilizad­os nas ruas.

Tais campanhas de difamação de concorrent­es e instituiçõ­es fazem mais do que conturbar o processo eleitoral. No limite, embutem ameaça velada de violência. Afinal, se a eleição é fraudada, como afirmam de uma maneira ou outra, por que aceitar seus resultados?

Deixa-se no ar, de modo insidioso, que haveria outros meios de alcançar o poder ou de tomá-lo.

A polarizaçã­o exacerbada não raro descamba para manifestaç­ões de truculênci­a, intolerânc­ia e irracional­idade —e o panorama nacional persiste conflagrad­o, como se nota com clareza desde a onda de protestos de rua de 2013.

A contenda divisiva, cada vez mais rancorosa, é empecilho à discussão produtiva de acordos com o objetivo de superar uma crise econômica e social de raridade secular, que nos ronda há cinco anos.

Não se pode dar como corriqueir­a e aceitável a retórica que ameaça as normas fundamenta­is do convívio político —para não dizer mesmo da civilidade básica e do respeito às liberdades civis.

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